Mais um aniversário da terra natal. Belorizonte, Beagá, seja como for, é nossa. Passei oito anos trabalhando no museu histórico da cidade, fora o tanto que continuei pesquisando e escrevendo sobre ela, ainda que procurando também variar escalas de observação e dar uma mudada de foco pra não enjoar. Por uma feliz coincidência, meu grande parceiro Maurício Ribeiro fez uma "live" hoje direto da Espanha e tocou nossa mais recente parceira, "Santa Pirambeira", que nada mais é que um despretensioso sambinha cuja letra é uma homenagem a um bairro de Belo Horizonte, o Santo Antônio, o que mais gosto e onde morei a maior parte da minha vida, especialmente depois de adulto. Agora estou no bairro ao lado, mas é questão de metros. Ainda subo e desço várias de suas pirambeiras com frequência.
Seria longo, e provavelmente desinteressante para boa parte dos leitores, fazer um relato autobiográfico cujo resumo é que gosto do bairro, apesar de seus muitos morros, vivi em 5 endereços diferentes nele, em etapas distintas da vida, criei filhos, cultivei amizades dentre as que marcaram a infância, a juventude e as que perduram até o presente, numa dada época estudei, fiz judô e até catecismo numa igreja católica, como bom filho de família mineira classe-média, até me rebelar com 12, 13 anos rsrs. Das lembranças afetivas da paisagem, a mais bem guardada é olfativa: o cheiro de Dama da noite que embalou incontáveis caminhadas.
Queria muito fazer uma letra sobre esse pedaço da cidade, que fica na zona sul mas tem uma certa diversidade propiciada pela proximidade da Copasa e algumas repartições, escolas públicas, predinhos pequenos de condomínio barato, uma economia de bairro que ainda subsiste, casais de idosos persistentes em uma ou outra casa velha. O sambinha simpático, cheio de ginga e com a costumeira dose de variação melódica e formal do Maurício veio a calhar, me remetendo imediatamente a uma situação divertida, a imagem de uma mulher de salto alto descendo um morrão. Isso foi sugerindo alguns quadros e situações, e como tenho feito quando sinto que não tenho assim tanto espaço (se tiver eu vou tentar resumir um romance) apelei para uma coisa mais telegráfica e menos narrativa. Fiz um rol de ruas e depois me surgiu a ideia de uma corrida de táxi imaginária (e com licença poética em termos de urbanismo) como se o eu-lírico estivesse orientando o motorista até chegar ao destino, um bar - lógico, é quase que um a cada esquina, ou às vezes vários na mesma - onde esperaria sua paquerada dama de salto alto. As vias que preferi foram os que permitiam rimas internas e duplos sentidos interessantes, e as nomeadas por árvores frutíferas me sugeriram o "pirambeira", quando eu não achei jeito de botar Santo Antônio em lugar nenhum. Foi melhor, deixou a coisa um pouco menos explícita. E finalmente, dentro do espírito lúdico que a lira nos garante, achei esse rolimã rimado com scarpin (pronunciada iscarpã), jogada usual para craques como Aldir e Chico, ainda que aqui seja mais previsível porque a primeira já foi uma adaptação do francês ao português. Segue a live do facebook, e se a curiosidade for muito grande, a canção em questão entra ali por volta de 1:08:00.
Santa pirambeira (música de Maurício Ribeiro, letra de Luiz Henrique Garcia)
Sobe, de primeira aMangabeira, Marabá
Flor que sim se cheira
Perfume lembrará
Toca de bobeira
Pirambeira, Matipó
Toda sexta-feira
Bato ponto aqui, ó
Vou esperar num bar
Na Mar de Espanha
Vai passar Primeira Dama
Na calçada a desfilar
Salto scarpin
Santa pirambeira
rolimã
Santa pirambeira
Scarpin
(alterna)
Vira Pitangueiras
Primavera, volta já
Abre Campo inteira
Viçosa cresce lá
Corta na Teixeira,
Entra a Viera pela mão
Morros e Bandeiras
três carolas no portão
Vou esperar num bar
Na Carangola
A Princesa Leopoldina
Elegância a desfilar
Salto...
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