Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
Mostrando postagens com marcador Egberto Gismonti. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Egberto Gismonti. Mostrar todas as postagens

25 de setembro de 2015

Meio de campo

Acompanhei na noite de ontem o último espetáculo da série do projeto "Meio de Campo", iniciativa que considero a mais importante a ser sediada no Cine Teatro Brasil desde a exposição "Guerra e Paz" que marcou sua reabertura ao público. Entre tantos afazeres gostaria muito de deixar algum relato a respeito, mas eis que se antecipa a mim o caríssimo João Marcos Veiga, jornalista bem formado, que também tem a música nas veias e brevemente defenderá uma dissertação de mestrado em História sobre a Rua da Bahia, em cuja banca estará, com enorme prazer, este que vos escreve. Sendo assim, sem mais, o vivo texto do João, que gentilmente o cedeu para o blog:


"Impossível não sair transformado depois de um show como o de ontem, que promoveu o encontro entre o quarteto de Alexandre Andrés e Egberto Gismonti [matéria sobre o show, aqui]. Como disse o próprio Gismonti, uma música feita com carinho, afeto e entrega - além de muito talento, claro. Curiosamente, os contratempos da noite tornaram a apresentação ainda mais ímpar e saborosa. Após servir ao toque magistral de Rafael Martini, eis que o piano tem seu "martelo" quebrado bem no momento de receber o mago. Sussurros tensos sob os holofotes e nos bastidores, eis que cruza o palco, sem qualquer cerimônia, o afinador, seu Guido, com sua fiel irmã e assistente com a maletinha de primeiros socorros musicais. Enquanto a apresentadora Brisa Marques põe toda sua simpatia comunicativa à prova (com imensa competência), o velhinho inicia a operação. E com o piano com todas as entranhas à mostra, o quarteto ainda fez um arrebatador tema de saída, desta vez com Martini ao violão. Intervalo forçado de 25min para colocar o instrumento e suas teclas no eixo. Apreensão por parte da plateia? Que nada. Depois das boas risadas com Brisa, o momento cai bem para um bate-papo no saguão e para comprar Macaxeira Fields, álbum de Alexandre, das mãos do pai coruja, ninguém menos que Artur Andres, do Uakti. Devidamente reacomodados nas poltronas do Cine Theatro Brasil, encaramos a performance de Gismonti ao violão, evidenciando todo seu virtuosismo e quebras de linguagens formais de expressão musical. Mas é ao piano que o mago nos leva a outra dimensão, tempo suspenso, música das esferas. Quando já nos dávamos por satisfeitos, no meio de um tema surreal surgem inesperadamente quatro rapazes no palco girando canos conduíte, agregando um som no mínimo mágico àquele momento. Mas o melhor ainda estava por vir. Juntos, os cinco formaram uma única entidade musical, de imensa complexidade, beleza e inventividade. Parecia que o tempo tinha parado, tanto que nem me dei conta de que já tinham se passado quase três horas e meia desde o início do espetáculo. De Gismonti não esperava menos, mas foi um privilégio ver a entrega do quarteto de Alexandre Andrés (com Martini também ao acordeon, Trigo com sua elegante condução de baixo e Adriano Goyatá numa aula de dinâmica e criação de texturas percussivas). Com a pouca desenvoltura do jovem artista mineiro com as palavras (e nem precisa) e o pouco interesse do renomado carioca com palavras que também pudessem agradar a plateia, estivemos diante não de um "projeto", ou de um espetáculo de entretenimento, mas sim testemunhamos unicamente a música em sua plenitude, esta sim, transformadora. Parabéns ao Meio de Campo pela produção, pelas escolhas certeiras na curadoria de todas as etapas do festival e por nos proporcionar um momento que faz jus às leis de incentivo, com um show de alto nível e realmente com preço popular (meia-entrada a R$10)." por João Marcos Veiga


14 de dezembro de 2013

Grandes encontros da música popular - Egberto e Hermeto

Antes que algum desavisado imagine coisas, não se trata da mais nova dupla sertaneja universitária.  São, de fato, o Gismonti e o Pascoal, dos músicos mais inventivos e inclassificáveis que essas terras brasileiras já deram de dar. A série grandes encontros não poderia perder essa oportunidade, mesmo considerando que a música desses dois atravessa várias fronteiras e de forma alguma se limita à classificação de popular, ainda que transite por ela. No reconhecimento disso, lanço mão de expediente que já se tornou habitual, que é pinçar os excelentes comentários do meu parceiro Pablo Castro:

Um dos enigmas da grande música instrumental brasileira sempre foi, para mim, nunca ter ouvido Egberto e Hermeto juntos. Não só porque os considero os dois maiores nomes pós- década de 1960, tanto como compositores quanto como instrumentistas, nem apenas porque os considero duas escolas diferentes, e igualmente majestosas, Egberto mais cerebral, e Hermeto mais dionisíaco, mas pelo fato de que são da mesma geração, filhos da revolução da bossa nova e do ensino de músicas nas escolas durante as décadas de 40 e 50 cuja implantação se deu pelas próprias mãos de Villa-Lobos.
Eis que achei aqui esse raríssimo encontro de gigantes, cujos nomes até rimam, num festival de jazz europeu em 1975.



Com a preciosa contribuição de Maurício Ribeiro, acrescento essa entrevista dada pelo dois, em companhia do também imprescindível Naná Vasconcelos, quando estiveram juntos na Argentina. Rápida e certeira.




Aproveito o clima natalino, tempo propício para anunciar que já acertamos novas bases para esta colaboração, e em breve os leitores do Massa Crítica MPB vão ter gratas surpresas...


15 de setembro de 2012

Da cartola de um mago

Acabo de ler a notícia [completa, aqui] do lançamento do CD duplo “Carta de amor”, resultado da gravação de um show, realizado em abril de 1981, em Munique, pelo trio formado por  Egberto Gismonti, o saxofonista norueguês Jan Garbarek e o baixista norte-americano Charlie Haden. As fitas com o registro estavam esquecidas nos arquivos e foram encontradas pelo produtor e criador do renomado selo alemão ECM, Manfred Eicher. Corri na estante para buscar e ouvir o CD Folk Songs, do disco lançado em 1981. Num tempo não tão distante assim, CDs importados que não eram raros, edições especias, sei lá mais o quê, eram muuuuuito caros e não podia comprá-los. O jeito era contar com o auxílio indispensável do sebo mais sensacional que já conheci, o saudoso Páginas Antigas. Sem ele não teria como ter constituído a modesta coleção de discos e livros que me acompanha pela vida e pela profissão. Foi lá mesmo que ouvi o disco, num sábado como o de hoje. Ele tem aquela atmosfera única, que nos envolve completamente de forma que, enquanto estamos no invólucro de seus sons, o resto do mundo simplesmente deixa de existir. Não por acaso, o trio, devido ao primeiro álbum que gravou, ficou conhecido como "Mágico". Gismonti para mim é assim, capaz de gerar aquele instante em que somos tomados de tal forma pelo encanto que ficamos mudos, somente ouvindo. Ouçamos:

Silence

Mágico
 

Palhaço Equilibrista