Acompanhei na noite de ontem o último espetáculo da série do projeto "Meio de Campo", iniciativa que considero a mais importante a ser sediada no Cine Teatro Brasil desde a exposição "Guerra e Paz" que marcou sua reabertura ao público. Entre tantos afazeres gostaria muito de deixar algum relato a respeito, mas eis que se antecipa a mim o caríssimo João Marcos Veiga, jornalista bem formado, que também tem a música nas veias e brevemente defenderá uma dissertação de mestrado em História sobre a Rua da Bahia, em cuja banca estará, com enorme prazer, este que vos escreve. Sendo assim, sem mais, o vivo texto do João, que gentilmente o cedeu para o blog:
"Impossível não sair transformado depois de um show como o de ontem, que
promoveu o encontro entre o quarteto de Alexandre Andrés e Egberto
Gismonti [matéria sobre o show, aqui]. Como disse o próprio Gismonti, uma música feita com carinho,
afeto e entrega - além de muito talento, claro. Curiosamente, os
contratempos da noite tornaram a apresentação ainda mais ímpar e
saborosa. Após servir ao toque magistral de Rafael Martini, eis que o piano tem seu "martelo" quebrado bem no momento de receber o mago. Sussurros
tensos sob os holofotes e nos bastidores, eis que cruza o palco, sem
qualquer cerimônia, o afinador, seu Guido, com sua fiel irmã e
assistente com a maletinha de primeiros socorros musicais. Enquanto a
apresentadora Brisa Marques põe toda sua simpatia comunicativa à prova
(com imensa competência), o velhinho inicia a operação. E com o piano
com todas as entranhas à mostra, o quarteto ainda fez um arrebatador
tema de saída, desta vez com Martini ao violão. Intervalo forçado de
25min para colocar o instrumento e suas teclas no eixo. Apreensão por
parte da plateia? Que nada. Depois das boas risadas com Brisa, o momento
cai bem para um bate-papo no saguão e para comprar Macaxeira Fields,
álbum de Alexandre, das mãos do pai coruja, ninguém menos que Artur Andres,
do Uakti. Devidamente reacomodados nas poltronas do Cine Theatro
Brasil, encaramos a performance de Gismonti ao violão, evidenciando
todo seu virtuosismo e quebras de linguagens formais de expressão
musical. Mas é ao piano que o mago nos leva a outra dimensão, tempo
suspenso, música das esferas. Quando já nos dávamos por satisfeitos, no
meio de um tema surreal surgem inesperadamente quatro rapazes no palco
girando canos conduíte, agregando um som no mínimo mágico àquele
momento. Mas o melhor ainda estava por vir. Juntos, os cinco formaram
uma única entidade musical, de imensa complexidade, beleza e
inventividade. Parecia que o tempo tinha parado, tanto que nem me dei
conta de que já tinham se passado quase três horas e meia desde o início
do espetáculo. De Gismonti não esperava menos, mas foi um privilégio
ver a entrega do quarteto de Alexandre Andrés (com Martini também ao
acordeon, Trigo com sua elegante condução de baixo e Adriano Goyatá
numa aula de dinâmica e criação de texturas percussivas). Com a pouca
desenvoltura do jovem artista mineiro com as palavras (e nem precisa) e o
pouco interesse do renomado carioca com palavras que também pudessem
agradar a plateia, estivemos diante não de um "projeto", ou de um
espetáculo de entretenimento, mas sim testemunhamos unicamente a música
em sua plenitude, esta sim, transformadora. Parabéns ao Meio de Campo
pela produção, pelas escolhas certeiras na curadoria de todas as etapas
do festival e por nos proporcionar um momento que faz jus às leis de
incentivo, com um show de alto nível e realmente com preço popular
(meia-entrada a R$10)." por João Marcos Veiga
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