Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

9 de fevereiro de 2012

Na estante na avenida

Ainda sem plenas condições, por conta de um microrganismo chato que me pôs à lona e me roubou a semana, vou retomando as atividades e o blog não poderia ficar de fora. Algumas ideias para o carnaval, vou ver o que dá pra "colocar na avenida". Pensei numa edição especial da seção "Na estante" com sugestões bibliográficas. Não sou especialista no assunto, mas é inevitável passar por ele quando se pesquisa música popular no Brasil. Vou começar citando alguns que me vem à cabeça por motivos até pessoais, mas que tem algo em comum. São trabalhos de colegas que admiro e que pesquisaram o assunto durante o
mestrado. O primeiro é  "Folganças populares: festejos de entrudo e carnaval em Minas Gerais no século XIX", da Patrícia Vargas Lopes de Araújo, que tive o privilégio de ter como colega no PPGHIS da UFMG. Embora não fôssemos da mesma turma nossas pesquisas tinham algumas referências em comum e trocamos muitas ideias, especialmente sobre o conceito de cultura popular. Foi com ela que ouvi falar pela primeira vez em "entrudo". Além de pesquisadora meticulosa, Patrícia escreve muito bem, então mais do que recomendado. Outro trabalho bem feito, que nos leva para um cenário diferente do óbvio Rio de Janeiro ou Bahia quando o assunto é esse é o livro "Coisas para o povo não fazer: carnaval em Porto Alegre (1870-1915)" do Alexandre Lazzari

Colegas nos tempos de Unileste-MG, Alexandre é um profissional sério e competente, dotando também de senso crítico bem próprio. Foi orientado na Unicamp pela Maria Clementina Pereira Cunha, autora do ótimo Ecos da folia, primorosa história social do carnaval carioca. Para mim são, em resumo, bons exemplos do que deve ser uma história da cultura que considere questões de ordem social e política sem perder o fio condutor. Não me arvoraria aqui a fazer resenhas dos livros, são leituras feitas sob esse olhar da convivência e já há muito misturadas com lembranças das conversas com os colegas e de bons momentos que a proximidade do carnaval, inadvertidamente, me fez recordar.

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