Continuando a série sobre carnaval, lembrei-me de um livro bastante útil para quem estiver pensando em pesquisar sambas-enredo, O Brasil do Samba-Enredo da psicóloga francesa aqui radicada desde os anos 1960 Monique Augras. Passei por esse livro meio dividido, uma tarde na biblioteca da Fafich (UFMG). Não tinha relação direta com a minha pesquisa e eu já não estava na fase de ler tudo que falasse de música popular onde e quando fosse. O livro me deixava curioso, na sua abordagem exaustiva e detalhada, cobrindo várias décadas, das letras dos sambas-enredo que tratavam do Brasil, sua história, suas personagens. A metodologia centrava-se na identificação de palavras-chave, entendidos como categorias que tinham seus sentidos destrinchados pela autora, como "glória", "personagens e eventos", "natureza exuberante" e outras que nem lembro. Era, nesse sentido, como ter um dicionário de clichês à mão. Todo compositor que faz letra de samba deveria ler. Mas naquele ponto não tinha mesmo como ler o livro de forma sistemática. Achei, contudo, uma pequena jóia guardada nos anexos, que corri pra fotocopiar: o Samba do crioulo doido.Tão citado, tornado expressão incorporada ao uso cotidiano... não sabia então que havia sido de fato composto por Sérgio Porto (mais conhecido como o sensacional Stanislaw Ponte Preta) em 1967, informação confirmada pelo artigo publicado na Última Hora que Augras cita, em que o pai da criança explica que:
"o crioulo era da ala de compositores de uma escola de samba, e, todo ano, tinha que fazer um samba com enredo da história do Brasil. Era Tiradentes, casamento de D. Pedro I, as badalações de Chica da Silva, a abolição, a proclamação da República, enfim, o crioulo começou a misturar estação (...) ele chegou na escola e perguntou qual era o enredo para este ano, responderam que era a 'atual conjuntura' e aí o crioulo ficou doido de vez (...)" UH, 8/12/1967, citado por AUGRAS, 1998.
Pode ser lido como crítica elitista à apropriação popular dos temas históricos nos enredos, como expressão de racismo, como crítica de conjuntura. Nesse último sentido, a autora recupera uma ação do DOPS em BH, retirando elementos de decoração de um salão do Floresta Tênis Clube, inspirados pelo samba, intimando o decorador a explicar, entre outras coisas, uma bandeira meio Brasil meio EUA (essa foi por conta dele mesmo...).Enfim, o disparate parece fazer muito sentido, na medida em que revela nossos paradoxos e conflitos sociais mais arraigados.
Confiram a letra e a interpretação do Quarteto em Cy (quem primeiro o gravou em 1968):
Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casar
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar
Com Tiradentes...
Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casar
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar
Com Tiradentes...
Lá! Iá! Lá Iá! Lá Iá!
O bode que deu
Vou te contar...(2x)
O bode que deu
Vou te contar...(2x)
Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu prá São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada
A escravidão
E foi proclamada
A escravidão...
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu prá São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada
A escravidão
E foi proclamada
A escravidão...
Assim se conta
Essa história
Que é dos dois
A maior glória
A Leopoldina virou trem
E Dom Pedro
É uma estação também...
Que é dos dois
A maior glória
A Leopoldina virou trem
E Dom Pedro
É uma estação também...
Oh Oh! Oh Oh Oh Oh!
O trem tá atrasado
Ou já passou...(2x)
O trem tá atrasado
Ou já passou...(2x)
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