Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

28 de fevereiro de 2012

Elos e fontes: da Refazenda ao sítio

Penso que a digitalização e disponibilização de acervos na internet, em projetos bem feitos, que disponibilizam ferramentas de busca eficientes, terá nos próximos anos um grande efeito na forma como se faz pesquisa histórica, seja em geral, seja especificamente aquela voltada para a música popular. Certamente é um grande ganho a facilidade de acesso, a poucos toques dos dedos, de uma massa documental que seria difícil reunir fisicamente em dispendiosas cópias, ainda mais por um único pesquisador. Isso contrabalanceia um pouco a carência de arquivos públicos em bom número e com boas condições de trabalho (assunto que discutimos na disciplina Música popular e colecionismo semestre passado). Obviamente, é preciso aquele olho clínico de sempre, para separar joio do trigo, e a habitual postura crítica em relação ao arquivo digitalizado, quem realizou, quem financiou, porque...enfim, a mesma postura que adotamos em relação às fontes em quaisquer condições. A sensibilidade, o faro do historiador, para mim vão sempre depender desse trato com o material, do trabalho com o "corpo" dos documentos para criar elos, costurar. Os novos recursos não devem ser motivo para eliminar os tradicionais, e sim ser articulados de forma a potencializar os resultados da investigação.

Essa história hoje começou assistindo esse curto documentário dirigido por Marco Antonio Bichir durante a gravação do disco Refazenda, no Rio de Janeiro em 1975.


E foi parar nesse sítio:
Projeto sem complicação de digitalização do acervo do jornalista paranaense Aramis Millarch.  Interessante inclusive por ser um material de fora do eixo Rio-São Paulo. Pela primeira exploração, oferece possibilidades para pesquisa, principalmente para quem se interessa pela repercussão da música popular na imprensa. Só pra dar um gostinho, ouçam essa entrevista do Airto Moreira. Ele explicando como compunha sem escrever música, usando um gravador, é impagável!

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