Navegando em busca de outras terras, outros mares, esbarro com esse texto sobre o Festival da Canção português, realizado pela RTP, sobre o qual não conhecia rigorosamente nada. Lembro-me de encontrar alguns comentários e referências sobre o Festival de San Remo, em pesquisas sobre música popular e mais diretamente nos textos de quem tratava dos festivais brasileiros. Não sana plenamente a lacuna mas me parece uma introdução válida. Escolhi alguns trechos, imagens e canções, mas vale ler todo E antes do adeus - Texto de David Ferreira [completo, aqui]
"A imagem é conhecida: em Fevereiro ou Março, as ruas vazias e os cafés cheios de gente para ver em televisores pequenos a grande noite, a preto e branco. E não era por haver só a RTP — era um dia único, marcavam-se jantares para ver e discutir. Havia quem fizesse a sua votação. Alguns incompatibilizavam-se por ver de forma diferente as decisões do júri nacional, repartido pelas capitais de distrito. As crianças decoravam depressa as canções — e imaginavam que durante os 12 meses seguintes nada interessava mais aos adultos do que ouvi-las a repetir as principais. Até vir um novo festival." (...)
"Nunca como nos primeiros 11 anos da prova, os que antecederam o 25 de Abril, o festival representou uma parte tão grande da história da música popular portuguesa. Porque havia então muito menos espectáculos, claro — nem a censura facilitava a sua realização. A perda de protagonismo do festival sobretudo a partir de 1980 é prova da animação do meio a partir dessa altura." (...) "Mas, tratando-se de um concurso de canções — como tantas vezes se repetiu, mesmo que tenha havido casos em que a interpretação e até a orquestração foram decisivas —, importa falar aqui dos autores e dos compositores." (...)
"A polémica que se segue é a mais dura. Os vencedores são identificados com o antigamente, se não mesmo com o Regime. Sérgio Borges — ainda por cima sem a compensação de uma presença na Eurovisão — torna-se persona non grata para boa parte da imprensa. O país está dividido, a esquerda domina como fazedora de opinião, prevalece a ideia de que tudo é combate político e, à falta de alternativa enquanto dura o Estado Novo, o festival é uma óptima arena para afrontamentos. " (...)
Para o festival de 1973, Fernando Tordo, concorrente vencido ao longo de todos os quatro anos anteriores, mas que chegara a brilhar em 1971 (3.º lugar) com uma música sua e letra de Ary, Cavalo à Solta, traz agora uma canção inesperada: mesmo que cante que “toureamos ombro a ombro as feras”, o tom é brincalhão — não há provocações evidentes nem epopeia. Em vez disso, o humor. (...) E toda esta tourada deu à Tourada a melhor das vitórias: uma estocada funda num meio conservador — que melhor símbolo se podia arranjar do Regime?" (...)
Para o festival de 1973, Fernando Tordo, concorrente vencido ao longo de todos os quatro anos anteriores, mas que chegara a brilhar em 1971 (3.º lugar) com uma música sua e letra de Ary, Cavalo à Solta, traz agora uma canção inesperada: mesmo que cante que “toureamos ombro a ombro as feras”, o tom é brincalhão — não há provocações evidentes nem epopeia. Em vez disso, o humor. (...) E toda esta tourada deu à Tourada a melhor das vitórias: uma estocada funda num meio conservador — que melhor símbolo se podia arranjar do Regime?" (...)
"E Depois do Adeus — apesar da concorrência de José Cid, que a solo ou com os Green Windows colocou três canções (que fariam êxito) nos cinco primeiros lugares — garantiu finalmente em 1974 a vitória que Paulo Carvalho, reconhecido por muitos como uma das melhores vozes (ou mesmo a melhor), já merecia há muito. Mas o passo seguinte da cantiga não seria a Eurovisão: antes — e mais importante — o trecho virava uma das senhas dos oficiais revoltosos na madrugada de 25 de Abril. E depois... lá fora nenhum artista português construiu uma carreira a partir do festival. Fizeram-se versões em línguas estrangeiras de várias cantigas. Mas, ao contrário da Tourada que o Tordo cantou, o festival nunca deu “lucros aos milhões”. Mas era prestigiante e as editoras mais activas queriam ganhar. Se de aposta a longo prazo na carreira dos artistas se tratou, não foi bem apostado: naqueles primeiros 11 anos, ou se apresentaram consagrados a quem a derrota embaraçou ou novos que passado pouco tempo mudavam de editora."
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