A velha fórmula aplicada a Milton (um mistério que o Brasil entendeu) pode muito bem aplicar-se a Djavan, cantautor idiossincrático que consegue dar ao sofisticado a sensação de ser simples, ao estudado a sensação de ser intuitivo, ao enigma de suas letras a sensação de ser solução. Ele acaba de lançar um belo álbum, Vesúvio, que já recebeu boas resenhas [Mauro Ferreira] e deveria ser o foco da escuta e da conversa [entrevista]. Entretanto o assunto não é esse, mas um trecho de entrevista motivada pelo lançamento, no qual ele diz: “Eu estou muito esperançoso. Eu sou uma pessoa otimista. Eu tenho uma esperança de que o Brasil vai dar certo. Tudo o que acontece agora aponta para um futuro melhor. A gente não pode garantir, porque o governo ainda não está atuando, está apenas se formando, mas estou esperançoso” [para ver o vídeo, aqui]. A isto se seguiu um destemperado ataque virtual que não se restringiu à declaração, transformando em alvo sua pessoa e sua obra - a que ele respondeu. Como é difícil as pessoas entenderem das falhas daqueles em quem projetam, erroneamente, uma infalibilidade. Djavan se equivoca como todos nós podemos. E como Toquinho pode. E amanhã imagino que é razoável esperar que ambos, e tantos outros, se arrependam. Aliás, é das melhores coisas que podemos esperar pois os que caíram no engodo do fakeado poderão nos ajudar a refazer o que foi desfeito. É uma imaturidade. O amor, a admiração por uma obra, pelo artista, depende de entender sua humanidade.
Para piorar, aqueles que promovem qualquer tentativa de ponderação, nos quais me incluo, são também atacados em doses maiores ou menores de fúria santa daqueles que se outorgam o papel de policiais morais e ideológicos das redes sociais. Isto é bastante revelador de que o está morrendo é a capacidade crítica. As pessoas adotam um binarismo que, no final, será insuportável para elas mesmas. Falta ler um tiquinho. De repente só O alienista de Machado já as ajudaria a ver como o mundo é bem mais complicado do que elas querem achar. Querem atribuir aos que defendem distinguir e dar proporção entre uma opinião política criticável e a avaliação do que o artista criou por toda uma carreira a pecha de cumplicidade. Há uma aplicação muito equivocada dessa expressão "passar pano". Parece mais que se trata de um verdadeiro santo sudário. Ninguém está deixando de criticar, lamentar, discordar da fala de Djavan, que é péssima mesmo se contextualizada, uma vez que ele se contradiz ao se afirmar antibelicista e depositar expectativas no governo que começou. Isto está explícito. Isso, dito, ser um bom compositor não torna ninguém infalível. Qualquer ser humano se equivoca às vezes, e tomar uma entrevista como suficiente para anular uma obra inteira , uma vida inteira, é desmedido. Fazer crítica é ter medida, e não aplicar julgamentos que parecem partidos de divindades que supostamente estariam acima (!?) da falha que é própria da condição humana. Djavan, como todos nós, pode desentender inclusive de si mesmo. Na capa do disco, ele nos mira (e também se mira, pois ela seguramente é espelho diante dele) como esfinge, cuja música merece um ouvido que tente decifrá-la e devorá-la. Entre a terra e o céu, há Djavãos. Não devemos nos tornar surdos porque um deles fala o que não queremos ouvir. Ouçamos todos.
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