Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

24 de março de 2020

Meu pequeno momento Raymond Williams com George Harrison


Meu caríssimo amigo Guilherme Lentz, um homem de Letras, e de Beatles, postou agorinha essa canção da fase solo de Harrison, Cockamamie Business. A letra é ótima. Deu na telha de tentar entender essa gíria. 



Diz o "sr. google" que veio de decalcomanie, portanto um empréstimo do francês. Sigo em frente para sacar que o negócio tem a ver com o uso do decalque como técnica pelos surrealistas. Procede. O mais provável é que do francês para o inglês, especialmente o das camadas populares, a palavra decalcomanie se modificou.E ainda tem um detalhe estatístico (o google deve estar usando os textos escritos digitalizados como base pra isso, imagino): o auge do emprego de "decalcomania" é nos anos 1950s (gráfico 1), e a curva ascendente do uso de "cockamamie" (com o sentido de implausível, ou como nós usamos às vezes "surreal") começa justo nos anos 1950 (gráfico 2).




Aproveito para recomendar esse útil e inspirador - como todos - livro de Williams, Palavras-chave. Devia ser 1998, pois já havia iniciado o mestrado e tinha ido à Unicamp entre outras coisas procurar para copiar alguns livros que não havia na biblioteca da Fafich da UFMG, um deles era o Keywords do Raymond Williams, e acabei encontrando também a edição inglesa do Costumes in common do Thompson, que não estava nos planos mas acabei xerocando um capítulo. O Palavras-chave é basicamente um dicionário de ciências humanas e sociais, recortando no léxico aquilo que seu autor, estudioso marxista da história da literatura e da cultura britânicas, chamava de vocabulário em "cultura e sociedade".

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