Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
Mostrando postagens com marcador Police. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Police. Mostrar todas as postagens

15 de novembro de 2016

Sting, de volta ao básico

Sting lançou recentemente seu novo (e décimo-segundo) álbum solo, 57th & 9th (quinquagésima com a nona, numa tradução bastante literal), assim intitulado em razão do cruzamento pelo qual passava ao dirigir-se ao estúdio novaiorquino em que gravou a maior parte do disco. É raro comentar lançamentos por aqui, mas nesse caso encontrei motivação na entrevista que ele deu na ocasião. É um cara muito articulado, inteligente à beça (quem ainda não leu sua biografia, eu recomendo - inclusive já escrevi uma postagem a respeito, aqui). Tendo passado a última década envolvido com uma gama de projetos e investidas em expressões musicais tão diferentes quanto um musical, peças para alaúde, um disco de canções natalinas, outro orquestral, fora uma turnê para matar a saudade do The Police (no que ele classificou como exercício de pura e simples nostalgia) e dividir recentemente o palco com Peter Gabriel, Sting disse que voltou ao rock porque ninguém estaria esperando por isso. Em suas palavras: "For me, the most important element in all music is surprise". Reconhecendo o amplo espectro de público que alcança, certamente sabe que para os que acompanham sua carreira desde o início muitas canções serão ouvidas com certo saudosismo, enquanto ouvidos mais jovens virão a recebê-las com interesse como dotadas de uma ar "retrô". É muito significativo que ele mesmo avalie o status atual do rock no cenário fonográfico da seguinte maneira: "The record industry is in a state of chaos and flux, [...] I have no idea what expectations are. It's not like the old days. Rock & roll is a traditional form now. It's not socially cohesive like it used to be".



Apontando que o rock tornou-se uma forma tradicional, ele deixa entrever que surpresa pode não implicar necessariamente em novidade estilística. Nesse sentido, seu relato sobre o trabalho de composição revela pistas de como encontrar desafio e motivação após uma carreira tão longa e prolífica. A chave foi recriar, por puro arbítrio, uma condição de trabalho que ele certamente vivenciou nos primeiros tempos, impondo-se prazos curtos para compor e gravar, e ao mesmo tempo partindo de ideias vagas compartilhadas entre os membros de sua banda durante as primeiras sessões no estúdio. Daí ele tecer uma bela comparação entre o compositor e o escultor que faz a obra a partir de um material bruto (5:00), enquanto comenta o método de composição. Ele faz também um relato curioso de como resolveu compor no frio tomando um café no Central Park e só voltava pra casa depois de acabar a letra (8:50). Essa urgência reflete-se não apenas na música, mas também nas letras, abordando questões como emigração, esgotamento dos recursos naturais ou mesmo a finitude, movido nesse caso pela morte de Prince. Aí algo que está bem estabelecido no horizonte político e poético do rock, a crônica de seu próprio tempo. Consciente e perspicaz, Sting encontrou nessas condições autoimpostas de celeridade o gás para fazer a combustão de sua música. 

Para quem quiser assistir a entrevista completa:

19 de janeiro de 2014

Na estante: Sting, Fora do tom

Ainda em férias, mas inevitavelmente atolado em trabalhos que estão condicionados por outra ordem de prazos, tento reservar também algum tempo para as leituras que não sejam as que tenho que fazer para escrever artigos ou preparar aulas. Inevitavelmente, elas acabam integrando um campo de possibilidades em que labuta e prazer ficam de tal modo amalgamados que é difícil saber onde um começa e o outro termina. Assim me lancei esses dias ao mar e na volta da maré me vi mergulhado na autobiografia de Sting, Fora do tom (Cosac Naify, 2006). O primeiro impacto vem da constatação de que não é simplesmente a reunião de fatos marcantes, de eventos e emoções que constituem o quebra-cabeças da vida do narrador, o que vai me prender. É a escrita venturosa, que transita entre o rebuscamento e a rudeza que refletem o vasto espectro de experiência e deslocamentos culturais de seu protagonista. Como muito estilo e escolhas que demonstram que é tão meticuloso e consciente como escritor como é como músico, Sting nos leva a examinar como discretas sombras companheiras de sua jornada cenas definidoras ou aparentemente triviais, momentos reflexivos com pretensões filosóficas e rememorações vívidas de diálogos cortantes, locais ou acontecimentos. 
Como pesquisador, sempre intriga e aguça meu interesse tudo que envolve a formação do músico popular. Descubro, sem muita surpresa, que a de Sting incluiu o contato com com instrumentos e repertórios presentes em casa, ou no convívio com parentes, progressivamente combinados com a audição do rádio, a companhia dos colegas e as primeiras incursões a casas noturnas para assistir performances ao vivo. Encontrei relatos muito parecidos em entrevistas concedidas por compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso ou Milton Nascimento. Dada a real impossibilidade de transcrever vários e vários trechos pelos quais estou definitivamente fascinado, escolhi de forma totalmente arbitrária a parte em que ele relata sua descoberta dos Beatles, em seu último ano do primário:

"Lembro-me de estar no vestiário da piscina. (...) Estávamos nos secando, e, como de costume, chicoteando os genitais uns dos outros com a toalha. Foi nesse momento que escute os primeiros compassos de "Love me do", vindos de um rádio transistor ali perto. O efeito foi imediato. Havia alguma coisa no modo como o som era intervalado que pôs um fim imediato à brincadeira estúpida. A gaita solitária de John e o baixo de Paul tocavam "duas notas por compasso" e então a harmonia vocal movia-se de quintas a terças menores e de volta outra vez à voz solo no refrão. Não que eu fosse capaz de articular essas coisas na época, mas reconheci algo significativo, até revolucionário, na esparsa economia sonora, assim - e isso é interessante - como todo mundo.
(...)
Mergulho nos álbuns dos Beatles com a mesma obsessão e escrutínio forense que aplicara aos discos de Rodgers e Hammerstein, só que agora com um violão. Tenho um instrumento capaz de reproduzir a mágica prática das estruturas dos acordes e do emaranhado de riffs em que as canções estão construídas. E que canções, uma depois da outra, disco após disco. Aprendo a tocá-las todas, confiante de que, se eu insistir, o que não for capaz de tocar imediatamente, terminará por me revelar seu segredo, no fim. Pouso a agulha do toca-discos inúmeras vezes, nos sulcos das canções que parecem estar além de minha análise, como um arrombador de cofres procurando a combinação, até que o prêmio seja meu." (pgs. 85-87)

Como uma estocada, que é uma das formas pelas quais se pode traduzir seu apelido em português, Sting nos impele por cada página de sua instigante vida fora do tom. 
Para completar a postagem, uma versão dele de A day in the life (Lennon/McCartney) e outra de In my life (Lennon/McCartney) em um duo de alaúdes. 



31 de janeiro de 2012

A estrela de Ringo versão 2012

Ringo Starr lançando seu novo álbum, Ringo2012. Entrevista bem bacana para o USAToday, Ringo descontraído como de costume, fala de sua próxima turnê com a AllStarr Band, do disco, das canções que tem feito sobre Liverpool, de sua forma de compor, de sua defesa dos ideias sessentistas de "paz e amor" e dos Beatles, claro. Entre os destaques, o ponto em que ele menciona a visita de Stewart Copeland (ex-The Police) em um de seus shows no Brasil ano passado e agradece o elogio que o colega baterista fez à banda. Bem legal também quando Ringo menciona a apropriação das músicas dos Beatles pelas gerações mais novas pela internet sem se prederem aos álbuns, e confessa que também fez as suas seleções, já que tem tempo pra isso (risos). Fala ainda de seu processo de criação, sobre o difícil começo com Don't pass me by, naturalmente intimidado no meio dos outros Beatles, e até conta alguns pormenores da composição de Back off, bugaloo. Por fim, explicando suas decisões sobre o novo álbum, mandou uma daquelas frases dele, "when it's me it's me" (quando sou eu, sou eu). É claro que é. 

P.S. 2019
O link original partiu-se. Encontrei outra entrevista da mesma época. Improvável recuperar a anterior.