Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

19 de outubro de 2013

Cheire Vinícius

Tá difícil de sair o texto. Também tá difícil deixar passar a necessária homenagem ao centenário de nascimento do grande poetinha Vinícius de Moraes. Não pode... Como compositor bissexto e amador que sou, aprendiz, diria que Vinícius, se fosse santo, seria o santo padroeiro dos letristas. Se toda uma linhagem de músicos populares brasileiros aprendeu com João a ser desafinado, aprendeu com Vinícius a escrever beijinhos. Mas ele não tinha nada de santo, felizmente. Talvez esteja mais para um buda etílico*, uma contradição em termos, já sei, mas não resisti à imagem que cai como uma luva para o sujeito que disse que o uísque era o cachorro engarrafado. Vinícius irradiava inspiração de uma forma generosa, na sua obra e na sua vida. Aliás é isso, o que ele sorveu e transpirou em seus versos, em seus escritos, canções, frases, foi a vida de forma plena, nos seus gozos, angústias, doçuras, amargores, sutilezas, asperezas, no vinho, na água, no sangue, na tristeza, na felicidade. O verso do Chico é preciso: "cheire Vinícius". É pelo olfato, na sua visceralidade, que sentimos a onda que é Vinícius. Não precisam se preocupar, não é pra deixar de lado os outros sentidos. Por todos o poetinha se faz presente. 




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Em 2010, quando residi em Governador Valadares para lecionar na Univale, passamos as primeiras semanas respirando Vinícius de Moraes em casa, pois sem antena e sem cabo, o dvd player ficava ligado e meus filhos ficaram absolutamente fascinados pelo disco (presente que ganhei do caríssimo amigo Guilherme Lentz) que registra um show de Tom e Vinícius para uma tv suiça, acompanhados por Toquinho e Miúcha. Ouviram tanto que sabiam cantar todas as músicas, iam comentando, se encantando, e também a mim. Me senti inclusive instigado a ler uma biografia - gênero absolutamente necessário, entre outros motivos, para conhecer a história da música popular e seus artífices - que encontrei numa visita entre tantas à biblioteca do Campus II. Estava lá - e recomendo
- "VINICIUS DE MORAES - O POETA DA PAIXÃO" de José Castello [confira aqui a resenha no site da editora Cia das Letras]. 

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Por fim, deixo os links do novo sítio oficial e também da muito bem cuidada iniciativa do "Memória Viva", ótimos pontos de partida para conhecer melhor a vida e a obra de Vinícius de Moraes. Destaco essa seção em que é possível ouvir o poeta declamando alguns de seus poemas.


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* inspiro-me na imagem do buda lácteo criada por meu parceiro Pablo Castro

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