Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

8 de outubro de 2013

Uma certa loja de discos e a vontade de compor

Faz tempo que não adoto um tom mais intimista e autobiográfico aqui no blog. Resolvi agora, de um relance, fazê-lo, mesmo que sem muito tempo para produzir o texto que gostaria. É que a memória às vezes pode ser provocada de uma forma tão súbita, tão intensa, acesa por uma fagulha feita de um som, de uma imagem entrevista, e deixar pra depois pode causar prejuízo à capacidade de retomar as lembranças que nesse instante dão a sensação de serem mais nítidas e inteiras do que de fato poderiam ser. Fica também como registro pelo Dia do Compositor.
                                                          Curiosidade: edição em Fita K7 de "Meu Filme", 1996
                                                             
Foi assistindo o vídeo do show Meu filme (que ainda não tinha visto) que me lembrei imediatamente de ter comprado o CD homônimo numa certa loja de discos - não por acaso chamada Liverpool - que ficava no shopping 5a. Avenida, na Savassi (BH). Uma loja que pra mim representava muitas vezes o depósito de tesouros mais ou menos inalcançáveis, que às vezes ficava "estudando" mas poucas vezes tive a possibilidade de adquirir. Só pra dar uma ideia, vinha aquele papelzinho que era pra ser ajuntado, e quando se completava 10 trocava-se por um CD. Nunca completei. Normalmente comprava discos no sebo, fosse vinis ou cds, mas aí fica difícil quando se tratava de lançamento. Deve ter sido algum dinheiro ganho de presente, algo assim. Enfim, se não me falha a memória foi o primeiro CD que comprei no momento em que foi lançado, em 1996. Gosto muito do disco (ainda que dispense a "conexão" Skank em Te ver, compensada com sobra pela preciosa parceria com Caetano, Sem não) e qualquer hora escrevo uma boa resenha dele. Adoro a capa, com elementos inusitados e a presença do caça Tornado, que eu conhecia porque colecionava um periódico sobre aviação militar. Enfim, lembro de comprar e chegar em casa com aquela ansiedade boa, vontade de ouvir logo que assalta quem acabou de adquirir um disco novo. Dentro das minhas limitadas capacidades como violonista, ficava ouvindo e tentando tirar, sem muito sucesso, uma ou outra canção do disco. E queria muito, ser capaz de entender como elas eram feitas, não de um ponto de vista analítico, mas prático mesmo. Dava mesmo uma vontade de compor. Àquela altura já começara minha parceria com o Pablo Castro, e enquanto cursava História na Fafich minhas letras iam aparecendo nas canções dele, além de nas minhas próprias, bem mais amadoras, por assim dizer. Mesmo hoje preferindo outros trabalhos na discografia do Lô, sei que esse tem um lugar reservado, por ser parte do meu filme.

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