Um vídeo curioso. Obviamente não há qualquer possibilidade de comparação entre os Beatles e o Led Zeppelin. Mas é interessante como documento de época, da maneira como mostra como funcionava a indústria cultural. Aqui vali-me de uma grande lição metodológica para os historiadores, que é aquela que ensina a evitar os anacronismos. Nós aqui sabemos perfeitamente o que representam historicamente, desde nosso ponto de vista, os Beatles, o Led Zeppelin, quem mais for o caso. Porém lá estão os ingleses em 1970, vendo um programa de TV cujo argumento básico era demonstrar que os Beatles "haviam ficado pra trás". Na impossibilidade de continuar a vendê-los após a dissolução da banda, de repente a mídia move as baterias contra eles (de uma maneira que pra nós até surpreende porque a posteridade só fez aumentar o prestígio - e valor de mercado também, não há porque negar - de sua obra) e procura fabricar novos fenômenos de venda mobilizando até um discurso supostamente autorizado, como do tal Coleman, editor da revista Melody Maker. Mas, justamente, essas revistas só podem ser vistas como engrenagem da máquina da indústria cultural, elas não fazem sentido fora desse "circuito" de produção, circulação e consumo.
Espaço que visa divulgar e disponibilizar trabalhos de criação e crítica referentes à MPB e música popular, não apenas para promover o intercâmbio de gostos e opiniões, mas fundamentalmente catapultar o debate sobre o tema.
Cerejas
Silêncio
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
14 de abril de 2014
O fim dos Beatles e a indústria cultural
Um vídeo curioso. Obviamente não há qualquer possibilidade de comparação entre os Beatles e o Led Zeppelin. Mas é interessante como documento de época, da maneira como mostra como funcionava a indústria cultural. Aqui vali-me de uma grande lição metodológica para os historiadores, que é aquela que ensina a evitar os anacronismos. Nós aqui sabemos perfeitamente o que representam historicamente, desde nosso ponto de vista, os Beatles, o Led Zeppelin, quem mais for o caso. Porém lá estão os ingleses em 1970, vendo um programa de TV cujo argumento básico era demonstrar que os Beatles "haviam ficado pra trás". Na impossibilidade de continuar a vendê-los após a dissolução da banda, de repente a mídia move as baterias contra eles (de uma maneira que pra nós até surpreende porque a posteridade só fez aumentar o prestígio - e valor de mercado também, não há porque negar - de sua obra) e procura fabricar novos fenômenos de venda mobilizando até um discurso supostamente autorizado, como do tal Coleman, editor da revista Melody Maker. Mas, justamente, essas revistas só podem ser vistas como engrenagem da máquina da indústria cultural, elas não fazem sentido fora desse "circuito" de produção, circulação e consumo.
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Ótima reflexão, Luiz! Essa lógica da Melody Maker e dos semanários da época proliferou tardiamente no Brasil, via revista Bizz e outras. Houveram publicações antes, mas não conseguiram esse tom que a Bizz tinha de conceder a bola da vez para um ou outro artista.
ResponderExcluirTem uma entrevista muito legal sobre esse tema nos extras do DVD duplo do Led (How the West Was On), onde o entrevistador insiste em ficar comparando-os com os Beatles. Um lacônico Page responde então que eles não tem nenhuma influência do fab four, e que o som deles remete a coisas ainda mais antigas dos primordios do rock, blues, folk, etc.
Pois é, Rafael, eu agora me lembrei da polêmica no Brasil no início dos anos 1970 sobre a possibilidade de um novo movimento musical que poderia ou não suceder o tropicalismo. Ou antes, na polêmica história do embate entre Caetano e Vandré, que teria dito ao baiano que só poderia ser ele "a bola da vez" na MPB em 1967-68, o que aparece em entrelinhas na Revista da Civilização Brasileira.
ResponderExcluirO Caetano dá a versão dele desse episódio no livro Verdade Tropical, sobre uma rusga que Vandré teve pessoalmente com os Tropicalistas nos bastidores de um programa de TV.
ExcluirNão sei o que é pior: se é a crítica e a mídia tentando forçar artistas e tendências como sucessoras do que veio antes, ou os próprios artistas se autodenominando os guardiães da tocha.