Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

10 de dezembro de 2014

Bolacha Completa - Áfrico (2002)

Não poderia ser mais oportuna a ocasião para incluir este na série Bolacha Completa. Enquanto refletimos sobre os rumos da canção,  fica cada vez mais evidente a sua pujança, a sua capacidade de metamorfosear-se à medida que novos desafios impostos pelos contextos mutantes em que se dão sua criação e escuta. O que me impressiona é a capacidade dos compositores de encontrar soluções diversas e instigantes para a equação tradição x inovação, em que não haja dogmatismo, mas também não se recaia em total descompromisso. Hoje caminhei por um parque um tanto inusitado aqui de Belo Horizonte, o Julien Rien (quem quiser saber mais, aqui), basicamente feito de escadarias articulando pequenos recantos e pracinhas, toques de cimento no meio do arvoredo. São ramificações, sejam as das árvores, sejam as das escadarias, que me sugerem essa imagem combinando cultura e natureza. Num Brasil sempre às voltas com a grandiosidade de suas perdas e seus ganhos, a música popular se espalha qual floresta mesmo em tempos de seca e desmatamento. 

Vamos ao disco propriamente, que é a razão de ser da postagem, e para tanto aproveito como de costume as sintéticas e apuradas resenhas de meu parceiro Pablo Castro:
Ouvindo de novo as faixas do disco Áfrico, de Sergio Santos Perfil Lotado, lançado em 2002, que tinha escutado na época. Esse disco é um feito extraordinário, pela maneira como funde um apuro instrumental fantástico, vestindo canções de um arrojo rítmico que seria o desdobramento em últimas consequências das pulsões afro-brasileiras do Djavan, do Gil e do João Bosco, divisões melódicas incríveis, e letras de Paulo César Pinheiro, destilando o léxico índio-africano que se impregnou na língua brasileira.
Preciso estudar de novo sua obra , que é um elo importante de um tronco da MPB mais ligada na estilização desses ritmos, mas que no aspecto harmônico e formal também não é nada trivial.
Até porque terei o prazer de bater um papo com ele sobre sua música, na próxima sexta, dentro da programação da Mostra Cantautores.
Do site oficial Sérgio Santos vou citar a ficha técnica do disco [também é possível ouvir algumas faixas, acompanhadas das letras, além de comprar], indispensável para visualizarmos na escalação de tantos craques uma espécie de preâmbulo a todo refinamento que logo irá adentrar nossos ouvidos. 

FICHA TÉCNICA
Produzido por Rodolfo Stroeter
Violão, voz e arranjos: Sérgio Santos
Baixo acústico e elétrico: Rodolfo Stroeter
Bateria: Tutty Moreno
Piano: André Mehmari
Saxofones e Flautas: Teco Cardoso
Saxofone alto, Clarinete e arranjo em Áfrico: Nailor Proveta
Percussão: Marcos Suzano e Robertinho Silva
Vocais: Martinália, Ana Costa e Analimar

Participações Especiais
Grupo Uakti: Artur Andrés, Paulo Sérgio Santos, Décio Ramos, Josefina Cerqueira e Marco Antônio Guimarães, em Galanga Chico-Rei e Quilombola
Joyce, em Quilombola
Lenine, em Nossa Cor
Olivia Hime, em Vem Ver

Gravado e mixado no Estúdio Sarapuí (Biscoito Fino), por Gabriel Pinheiro, em setembro / outubro de 2001. Grupo Uakti gravado nos Estudio Bemol (Belo Horizonte), por Dirceu Cheib. Masterizado na Visom Digital, por Luiz Tornaghi.
Segue a minha faixa preferida e também é possível ouvi-lo aqui.

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