Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

1 de dezembro de 2014

Na lata, Tom Zé!

Vira Lata na Via Láctea, novo disco de Tom Zé, é uma verdadeira sonda mambembe lançada às profundezas da galáxia canção.Se tem um filme com esse nome passando no cinema, é usurpado, é equivocado, é desviado, pois o único disco voador que merece o título é esse: interestelar. E assim, brincando entre as palavras e as estrelas, Tom Zé capta com antenas atentas o que nos atenta a todos.Obras-primas instantâneas como Pour Elis - encontro com o ET de Três Pontas - provam que a canção não morrerá nem mesmo se o planeta Terra morrer, porque ela já foi, há muito tempo, pro espaço.



Entrevista de Tom Zé sobre o disco, aqui

Texto de apresentação do próprio:
Desde 76 os discos que faço têm sido cozinhados numa só panela e por um só assunto-tema. Agora, lembrando a arquitetura das igrejas românicas do século XI, este cd se apresenta com Capelas Irradiantes, construídas em torno de uma edificação central, cada uma abrigando uma parte do culto – aqui cantado e profano. As Capelas Irradiantes (nome que a gente repete com prazer) foram construídas em estilo e arquitetura muito variados e nós, neste disco, embora recorrendo apenas a texturas sonoras, também atacamos o tédio com bárbara ojeriza*. Não foi um plano. Diante da arrancada que a direção artística de Marcus Preto engatou, a forma irradiante se impôs com a presença de estilos apartados como os de Milton Nascimento, Criolo, Tim Bernardes, Trupe Chá de Boldo e Caetano Veloso (a primeira parceria que fazemos e - cantamos juntos). Elis Regina inspirou a presença de Milton: eu transformara em canção um texto escrito por Fernando Faro, como introdução de um vídeo, no primeiro aniversário da morte dela. Marcelo Segreto e sua Filarmônica de Pasárgada, Tim Bernardes (O Terno) e a Trupe Chá de Boldo, ao lado de Tatá Aeroplano e Gustavo Galo, trouxeram para o disco a Geração Y, esta já no ensaio geral do que Santaella chama de pós-humano. Nessa puxada, podemos chamar a vestimenta feita por Kiko Dinucci – arranjos secos e descarnados – para Retrato na Praça da Sé e o samba-editorialista Banca de jornal – uma pós-partitura-em-crise. O disco foi gravado por essas diversas bandas e cantores, mas vou lançá-lo e arrodear o planeta com o meu próprio conjunto: Daniel Maia, produtor, técnico, alguns arranjos, guitarra, violão e baixo; Cristina Carneiro, teclado e vocal; Jarbas Mariz, viola de 12, cavaco, percussão e vocal; Felipe Alves, contrabaixo, violão, cavaco e vocal; e na bateria, o calouro da banda, Rogério Bastos, também tratado por Rogério Duprato. TOM ZÉ


[N.E.] compartilho também o texto do colega pesquisador e blogueiro Leonardo Davino, que em seu Lendo Canção tratou do disco e em especial da faixa "Banca de Jornal" [aqui]

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