Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

11 de maio de 2016

BH não é o Texas e as Minas são Gerais

Provocado pela matéria publicada no site noisey, "BH é o Texas: o rock triste e a cena fantasma de Belo Horizonte" (completa, aqui), meu parceiro Pablo Castro escreveu esse comentário que foi muito além da matéria - diga-se de passagem, jornalismo ruim, incapaz de dar voz a outros pontos de vista a respeito do assunto que trata ou verificar determinadas informações.

Por Pablo Castro
Para além de ser contestado quase que unanimemente pelos próprios roqueiros da cidade, o conteúdo da matéria " BH é o Texas " incorre no mesmo erro ancestral do rock : se fechou em si mesmo, como uma espécie de torcida de futebol difusa e desorganizada, querendo o tempo inteiro estigmatizar qualquer influência que seja em alguma medida brasileira, ainda que o rock seja um de seus elementos, como a Tropicália e o Clube da Esquina, respostas diferentes para questões semelhantes
Eu acho engraçado por dois motivos : da cena autoral de MPB da cidade eu sou talvez o que mais diretamente conversa com a influência do rock, e também me considero o que mais afirma minha afinidade e minha admiração para com a obra do Clube da Esquina. Isso contudo não significa nem que meu trabalho é de rock nem que eu tente imitar ou recauchutar o Clube , que é uma das várias facetas da minha busca como compositor. É possível amar uma obra, ser influenciado por ela e ao mesmo tempo não querer repeti-la. E mais, conheço, no estado de Minas, excelentes experiências criativas mais inequivocamente informadas pelo Clube e que também não lhe são imitações, como o que faz meu amigo Clayton Prosperi , que esteve aqui semana passada , a quem não pude assistir justamente por ocasião da minha apresentação com o Lô na casa A Autêntica. Até porque o que se chama de Clube da Esquina tem lados muito diversificados, Toninho Horta de um lado, Tavinho Moura de outro, Nelson Ângelo de um lado, Beto Guedes de outro. Não se trata de forma alguma de uma obra homogênea. A genialidade de Milton de alinhavar tão heterogêneas direções nos mesmos discos tem a ver com a sua própria capacidade de sintetizar esse mosaico de forma bem acabada.
O que é chamado de rock hoje é qualquer agremiação musical que olha e olhará sempre para fora e não enxergará o que está próximo, desde que tenha guitarras elétricas , baixo e bateria. Acho que isso é uma opção, claro, mas depois não reclamem que a "cena não dialoga". Nem mesmo as bandas clássicas da década de 90, como Cartoon, Calix e Somba, ainda na ativa, são sequer mencionadas por uma matéria que credita a reputação do Graveola ao Fora do Eixo (???) , e que fala de umas bandas de que eu realmente nunca ouvi falar.
A música de Minas é grande, e variada. É a maior província do Brasil, mas provavelmente é o maior celeiro. A mim não me interessa me filiar a um nicho que se considera escolhido por Deus ou pelo Diabo a ser algo "oxigenado" por quem ignora a grandeza do que ultrapassa os cercadinhos do que se chama de rock. Sou músico pela música, e ela é muito maior do que uma espécie de super-gênero meio messiânico.
Apenas para finalizar, o compositor de mais estofo da minha geração, do Rio de Janeiro, qualifica a produção de canções em Minas como a mais rica do Brasil. E ele não se preocupa se é rock, baião, balada, sertão, barroco, música de câmara, valsa, arrasta-pé, reaggae ou que seja. A nossa música vai mais além.

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