Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

1 de maio de 2016

Grandes encontros da música popular brasileira: Alaíde Costa e Toninho Horta

Um encontro inevitável entre uma cantora capaz de aliar sutileza e rebuscamento e um ás das harmonias, compositor de pérolas irrepreensíveis do repertório da música popular brasileira. Já estava de alguma forma prefigurado na intuição de Milton Nascimento ao convidá-la para ser a única voz feminina na linha de frente do antológico álbum "Clube da Esquina", cantando “Me deixa em paz” (Monsueto/Aírton Amorim) em dueto com Bituca, numa gravação que alia a contundência elegante do canto dela e o improviso sirênico dele distintivamente combinando o vocalize e as notas do violão.   

"— Milton me convidou para um LP que iria fazer, não sabia o que era. Um dia, me ligaram para gravar, exatamente , cantada lentamente como eu fazia, mas com arranjo do Wagner Tiso. Minha participação era algo diferente dentro do “Clube da esquina”, que já era algo que não parecia com nada. Pensei: “Eu cantando isso no meio dessa garotada?”. Mas Milton sabe das coisas — diz Alaíde, que sintetiza sua afinidade com o Clube da Esquina com simplicidade: — É porque essa turma é do sutil, como eu."
[Trecho de entrevista que faz parte da matéria completa de Leonardo Lichote http://oglobo.globo.com/cultura/musica/alaide-costa-celebra-80-anos-em-disco-com-toninho-horta]


Os dois contam um pouco mais sobre o disco e o encontro nessa passagem pelo programa Agenda, da Rede Minas:



A escolha acertadíssima do título, retirado da letra de Aqui, ó (T. Horta/F. Brant), dá a pista do que esperar: a revelação de um tesouro sacro.
“Alegria é guardada em cofres, catedrais” - na sequência uma das faixas do disco, Tudo que você podia ser (Lô e Márcio Borges) já dá o tom de um trabalho rebuscado, dedicado, que lança aos nossos ouvidos essa joia que é a interpretação da Alaíde, acompanhada desse mestre das cordas que é Toninho Horta.



Para finalizar, aproveito e assino embaixo o comentário do meu parceiro Pablo Castro:

"Que dignidade de Alaíde, uma das cantoras mais refinadas , com emissão mais delicada e emocionante, da história da MPB. Com mais de 60 (!!!) anos de carreira ! E o Toninho Horta continua sendo esse grande articulador, esse grande ponto de referência entre a música instrumental e a canção, no país e no mundo.
Que sorte a nossa tê-los vivos e produzindo !!!" 

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