Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

30 de agosto de 2017

Nas paradas de sussexo

Uma problematização desse contraditório fenômeno em que a objetificação do corpo feminino é absorvida acriticamente sob o crivo do "empoderamento", da forma como se manifesta no âmbito da música pop internacional.

Por Pablo Castro
Sobre o texto que compartilhei agora há pouco, que falava do clip da cantora Anitta em cima de uma laje de favela com mulheres nuas. 



Em primeiro lugar, eu sou totalmente contra qualquer tipo de repressão moralista, controle sexual, homofobia, perseguição de que espécie for contra orientação de gênero ou sexual de que espécie for, salvo pedofilia, necrofilia e outras síndromes como essas.
Realmente o texto compartilhado é muito agressivo, alguns qualificaram de misógino, outros concordaram. Impressiona particularmente a veemência com que algumas das minhas amigas virtuais condenaram o texto e outras defenderam-no.
Bom, a realidade atual é muito difícil de analisar, tal a avassaladora velocidade de informação, críticas, defesas e ataques, que o ambiente virtual propicia através das redes.
Mas o fato é que há um curto-circuito na idéia de empoderamento feminino preconizada pelo feminismo atual. Por um lado, o que se chama de "objetificação feminina" pela indústria cultural é denunciado como uma estrutura machista. Por outro, a própria idéia de empoderar-se implica ter suas próprias decisões à revelia da moral puritana vigente, particularmente nos EUA; no Brasil a moral católica hoje modificada sobretudo pela ascensão das evangélicas, tem um efeito parecido.
Ou seja, ao empoderar-se , a mulher teria todo o direito de andar da forma que quiser, onde quiser, e qualquer crítica a isso seria uma manifestação do moralismo patriarcal .
Mas aí, voltamos ao começo da conversa. Em primeiro lugar, segundo Freud e a maioria dos psicólogos , não existe desejo sexual sem alguma forma de objetificação. Não só a mulher é objetificada pelo homem numa relação sexual, mas também o homem é objetificado pela mulher na mesma situação íntima.
O xis da questão me parece residir na difusão cultural-simbólica de massas que impõe, hoje, a qualquer cantora de sucesso como Anitta, um modelo de sexualidade que, longe de ser uma decisão individual dela, é um fator de mercado. E , mais do que um fator de mercado, é condição sine qua non para o pertencimento a uma gama limitadíssima de super-stars contemporâneos.
O clip da Anitta, pelo que parece, não é radicalmente diferente dos clips de Madonna, Rihanna, Beyoncé, Lady Gaga. São todos variações do mesmo tema : hiper-sexualidade impositiva, a idéia de harém (ou com homens ou com mulheres figurantes que fazem o papel de escravos sexuais) , a sugestão de "controle mental" , e um sem-número de mensagens subliminares. A única diferença palpável é o clip de Anitta rolar numa favela.
A música e a letra passam a ser meros detalhes do pacote , no caso de todas essas estrelas do pop-internacional.
O que agrava a questão , na minha opinião, no caso da cantora brasileira, é o fato incontestável de que temos uma cultura sexual já violenta, com alarmante índice de estupros, tráfico de mulheres, maternidade precoce, abortos clandestinos de adolescentes, violência doméstica contra a mulher, e feminicídio.
Isso é culpa da Anitta? Evidente que não. Isso já era assim há muito tempo. Mas pretender que o ambiente cultural de massas paupérrimo em que se transformou a música de massas no Brasil não tem nada a ver com isso, discordo. Tem a ver sim.
(Só lembrando que , hoje, TODAS as GRAVADORAS no Brasil são multi-nacionais com sede nos EUA. E que a cúpula da indústria fonográfica e cinematográfica mundial tem sido acusada por gente lá de dentro como ligada a uma rede mundial de PEDOFILIA. [Ex] Atores mirinis como Corey Feldman (https://www.youtube.com/watch?v=roW238dfUUk) e Elijah Wood (https://www.youtube.com/watch?v=qRLT9qtDvks) têm denunciado isso verbalmente).

Enfim, eu acho que já passou da hora da esquerda de um país como o nosso se atentar sobre essas questões.Sem binarismos. A música de massas e o cinema blockbuster não são fenômenos naturais, mas indústrias bilionárias controladas por pouquíssimas pessoas , e totalmente desvinculadas de qualquer tipo de "decisão individual" de qualquer artista .

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