Estou devendo há um tempão uma resenha desse trabalho impecável do meu parceiro e amigo Clayton Prósperi. Penso que entre as muitas conotações do título Cativo, a primeira que me ocorre é aquela de um vínculo férreo, mineral, do mesmo modo que dizemos “cadeira cativa”. Com ele, está reservado o lugar do Clayton neste vasto estádio da MPB, não na condição de mero espectador, continuador de seja o que for, e sim de criador com toda autoridade, maduro, de canções belíssimas e arranjos esmerados que receberam um registro de primeira categoria.
Cativados, no sentido hiperbólico de aprisionados, ficam os nossos ouvidos, conquistados pela inegável força desse repertório autoral que os convida a tudo. Ritmos hipnóticos, letras poéticas, harmonias ousadas, melodias voadoras. Tudo isso embalado numa produção impecável, acompanhado por gente que é do ramo, feito Tutuca, Ismael Tiso, Enéias Xavier e Teco Cardoso, entre outros. Encontramos um vasto panorama de invenção na música popular, que vai dos arranjos vocais aos solos de guitarra, das pausas sugestivas a energéticos pulsos de baixo, das faunas timbrísticas a alternâncias rítmicas que demonstram quão alargada e proficiente é a concepção de Cativo. É como se fôssemos alçados ao alto das montanhas do Sul de Minas e de lá divisássemos o mundo. Se a in/fluência da música e poesia mineira mais universal que há se apresenta, nas picadas abertas por monstros sagrados como Milton (onipresente), Toninho Horta (que toca em uma faixa) ou Drummond, também se apresenta o Prósperi com sua própria voz e caminhos, com suas teclas audazes que percutem não as cordas do piano, mas nossas fibras, neurônios, artérias.
Sim, habemos baladas, como a faixa título e Conta, ou Samba em sete, um compasso lunar, digamos assim, trova em toada como De Mar e de Drummond, hibridações que navegam por águas impressionistas até eventualmente as costas da península Ibérica, feito o par Vinheta da quietude/Inquietação (esta última em parceria com Edson Penha), ou a sutil brasilidade jobinianamente sincopada de Hora senhora. E claro, aquela mistura subversiva de fronteiras em que se pode reconhecer as pegadas dos sons imaginários de um certo Clube que ocupou a Esquina mais aberta do planeta, ouvida em Caminhante (com Talis Júlio) e Feira da fé, por exemplo.
Por fim, muito apropriado que a arte do álbum traga o traço extremamente humano da nossa querida Loló Weissman. É tudo, enfim, muito próprio e apropriado. E indisfarçável é a minha alegria em ter o Clayton como parceiro, com a sensação de que muitas canções ainda vamos botar nos trilhos dessa terra. Assim, pela Prosperidade da música popular brasileira, ouça. Se possível, de fone.