Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
Mostrando postagens com marcador Luiz Gabriel Lopes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Luiz Gabriel Lopes. Mostrar todas as postagens

9 de setembro de 2015

Um banho de canção - campanha de "O fazedor de rios" de LG Lopes

Eis aí a campanha, via Catarse, para financiar a finalização e o lançamento do disco "O fazedor de rios", do Luiz Gabriel Lopes [para saber tudo, acesso o link].


O Luiz é um cantautor com tudo que tem direito, em letra, melodia, harmonia, que canta, toca, solo, em banda(s), e de quebra promove, viaja, encontra, desencadeia, anda de bicicleta, é um agitador no melhor sentido do termo. Essa foto aí, que ele não lembra o show nem o fotógrafo, acho que captou totalmente a aura dele. Acho que essa imagem do movimento é precisa (ainda que borrada), pra mim é alguém assim, e aí combina bastante o título do disco, o rio, a canção, a feitura, tudo isso implica um deslocamento. E nisso, o cara já percorreu um vasto território, e não vai parar. Se muitas das canções que ouvi dele transmitem uma serenidade, uma singeleza, não tem nada de trivial. Tão sempre formando algum desenho, desencadeando ondulações, como quando a gente bota a mão na água.

Leia, ouça, e apoie. Tome um banho de canção.

 

26 de janeiro de 2015

Ideias cancionais

O trabalho da autoria de canções merece sempre a atenção desse blog. Refletir, especular ou poetizar sobre o assunto é inevitável para quem se debruça sobre a tarefa.

Por Luiz Gabriel Lopes*

 
(percebo que)
há despedaços de idéias cancionais que podem rondar a mente do compositor por semanas, meses,
às vezes anos
feito mosquitos enjaulados numa garrafa,
que às vezes se debatem loucamente,
e noutros períodos sossegam, hibernam.
o mosquito pode ser uma frase,
um verso, princípio de melodia ou uma sequência de acordes.
são seres autónomos
para os quais parece existir mesmo uma espécie de trajeto astrológico
- um "destino" -
sobre o qual tem-se (tenho) pouco ou nenhum controle

pode-se (deve-se!) entretanto,
estudar esses seres
praticar com eles uma espécie singular de convívio desinteressado
monitorando sua saúde, diante do rumo histórico dos microacontecimentos
medir seu campo vibracional de relações
com o universo de estímulos que ronda o criador
sem entretanto pressioná-los por demais
pois são seres temperamentais, esses mosquitos

das conversas que tive recentemente com amigos compositores
percebi que a luta existencial com períodos de mãos secas é cíclica
e vasta de reações
é feito catapora, mal comum e necessário ao crescimento

saber esperar o tempo da florescência dos mosquitos
no rumo de amadurecimento animal que leva a lagarta à borboleta
é um exercício de maturidade
sabedoria árdua de atingir
ô se é.

felizmente há momentos em que a garrafa se abre
deve-se empreender este esforço: abri-la vigorosamenter,
aí reside o trabalho. na justeza da espera e na firmeza do gesto.
espere demais, e os mosquitos morrerão.
abra a tampa antes da hora e eles te atacam, famintos e egoístas
indo embora sem deixar vestígio

mas em boa hora,
abre-se a tampa da garrafa
e deixa-se voar o enxame pela sala, não sem que batam nas paredes.
os bichos então que encontrem pouso sólido nalgum canto
onde então se poderá, finalmente, extrair deles aquilo a que vieram
- a canção.


* cantautor mineiro, membro das bandas Graveola e o Lixo Polifônico e Tião Duá, residente e super-atuante na cena musical e cultural beagana e além, desde infante ciclista, dentre outros predicados. O editor agradece muitíssimo a cessão do texto acima.

9 de julho de 2012

Lançamentos no Horizonte Belo


Com a devida autorização do autor,  reproduzo* um texto do meu parceiro de música e ideias Pablo Castro que é um verdadeiro relato/retrato do cenário musical na capital das Alterosas, feito numa semana de vários lançamentos de relevo. Fica o convite para quem tiver comparecido a um ou mais desses eventos deixar impressões/apreciações.
"Essa semana tive o prazer de comparecer ao lançamento do disco Zelig do Flávio Henrique, [mais sobre o disco] obra eclética e ousada que rompe com alguns dogmas do que se pode chamar de MPB elitizada, como o próprio autor observou, abraçando jovens das gerações posteriores e atirando pérolas para muitos lados. Legal perceber a inquietude do compositor mais tarimbado da geração da década de 90 dessas alterosas musicais.



Ontem [5/7] não pude comparecer ao lançamento do primeiro trabalho fonográfico de Gustavo Amaral [Só o Amor Constrói], companheiro Cantautor que, pra mim, ao lado de Luiz Gabriel Lopes, é o cancionista mais natural da geração pós -Reciclo, lidando criativamente com os múltiplos arquétipos da canção brasileira ; é o tipo de compositor que não tem medo de refrão, o que o aproxima deste que vos fala.[para conferir, aqui]



Hoje [6/7] tem o lançamento do disco Radar [para detectar e ouvir as faixas] de Thiakov, que vejo como irmão mais novo; tocamos juntos na Free as a Beatle, e ele participu da famigerada Banda dos Descontentes e contribuiu muito com o disco oculto [algumas pistas do disco] que ainda se lançará. Um dos músicos mais talentosos, de longe, que já conheci, capaz de tocar com destreza centenas de instrumentos, e assustadoramente fértil em idéias e soluções musicais, Thiakov vai mais pela tangente, enquanto compositor; sentem-se ecos das experiências musicais desconstrutivistas, particularmente Os Mutantes e a célebre ( porém nada unânime) banda inglesa Radiohead. Afeito a experiências lisérgico-musicais, Thiakov promete uma interessante audição no espaço 104 , hoje a partir das 10 da noite.


E amanhã [7/7] quero comparecer ao lançamento do primeiro disco solo do grande Rafael Martini [Motivo, muito bom para ouvir aqui], hoje um dos, se não o principal arranjador dessa nossa seara autoral em BH, músico completo : toca piano, violão, acordion , canta muito bem, e arquiteta seus arranjos com grande maestria e primor, polirritmicamente nos levando a a levitar , com procedimentos riquíssimos e que juntam ecos de Gismonti e Radiohead, Hermeto e Guinga, Moacir Santos e Grizly Bear. Sou-lhe grato até hoje pelo arranjo de cordas de uma canção do meu disco, O Sétimo Selo, com o qual elevou essa música a alturas que o próprio compositor dificilmente suspeitaria [para ouvir em estado de elevação, aqui].


Isso tudo pra dizer que a produção musical de BH não tem paralelo com o resto do Brasil hoje: somos unidos pelas diferenças e , ainda assim, trabalhamos juntos e enriquecemos o acervo fonográfico mineiro, nem que seja para que um dia isso seja redescoberto, já que nem na Inconfidência essa produção encontra espaço aberto e meritocrático. Mas estamos no caminho certo, a música que se faz aqui não brota de qualquer montanha !" Pablo Castro

*Pequenos acréscimos deste editor, entre [ ]