Por várias oportunidades tratei em minhas pesquisas e aqui no blog dos meios massivos e de seu papel decisivo na constituição da música popular registrada através da fonografia. Uma das linhas de argumentação tem sido mostrar, via de regra com material de época, que a programação dos referidos meios já comportou, em destaque, o que representava então o sumo da produção autoral em matéria de música popular brasileira. Isso não significa um posicionamento num dos pólos da percepção dualista em que se oponha, para emprestar os termos de Umberto Eco, os apocalípticos e os integrados. Para reconhecer os meios e sua complexidade no contexto da modernidade e do capitalismo, há que se dar conta de suas contradições e de sua historicidade. E ao fazermos isso, abandonarmos a percepção desses "meios" como entidades fechadas em si, para percebê-los envolvidos em mediações protagonizadas por diferentes atores da sociedade, na linha do que propõe Jésus Martin-Barbero em Dos meios às mediações.
Aqui não quero me alongar numa exposição teórica, pois escrevo mais para alinhavar ideias que ocorreram a partir do apelo/crítica que meu parceiro Pablo Castro (cuja essência procurei capturar na citação abaixo) lançou hoje via facebook e durante o dia foi debatido por vários participantes da cena musical belorizontina.
"Há algum tempo eu queria fazer essa crítica e esse apelo à nossa Rádio Inconfidência: toquemos nossos artistas, não como iniciantes ou decadentes, mas como se fossem os mais importantes do país e do mundo , não apenas por serem eles daqui, mas acima de tudo porque a música que se faz aqui não está atrás da música do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Pernambuco, ou da Bahia, ou de Nova Iorque ou de Londres, em qualquer quesito importante, mas está à frente em pelo menos uma coisa : o ineditismo, por essa música autoral local hoje ser um tesouro submerso e francamente desperdiçado, como rios que nunca desaguam no mar, deixando de cumprir sua função social: se associar à vida das pessoas ser compartilhada e dar identidade ao que somos, onde estamos e no tempo em que vivemos! (...) infelizmente a programação esmagadoramente predominante da Inconfidência consiste de um repertório das décadas de 70 e 80, ou versões pops dos mesmos velhos clássicos, e acaba por não formar público para artistas mineiros e fora da indústria ou de segmentos muito específicos do eixo Rio-São Paulo.Melhor do que tocar um disco inteiro na íntegra, talvez fosse escolher 2 ou 3 músicas mais radiofônicas de cada artista, e tocá-las com a frequência com que se tocam sucessos de 30 anos atrás, que muita gente conhece, mas que são anacrônicos. Não me parece razoável que uma rádio pública de uma cidade onde se produz tanta música de qualidade tenha uma programação tão desvinculada dessa produção. O que é contemporâneo na programação da inconfidência, parece vir de um filtro pop ( no lato sensus, o samba hoje é super pop ) muito orientado pela produção pop\samba carioca, particularmente, e fica patente que , salvo alguns nomes mineiros, mais altos na pirâmide hierárquica simbólica da MPB mineira, como Milton e o Clube da Esquina, Skank, Pato Fu, Vander Lee, todo o resto dos artistas não conseguem se "infiltrar" nessa companhia ilustre. Inverter essa equação, priorizando a produção musical local e contemporânea, formando público que não terá outra alternativa pra ouvir esses artistas, que hoje, de forma marginal e independente, tentam criativamente revigorar a cansada linguagem da canção e de outras formas de música popular, faria muita diferença nas nossas carreiras e consequentemente nas nossas vidas. O ouvinte imagino que também gostaria de conhecer essa produção. Se a Inconfidência fizesse uma pesquisa de repertório de alto nível dos últimos 10 anos da produção mineira, com certeza não faltariam canções popularizáveis e acessíveis ao público ouvinte no horário nobre, não num programa específico que vai tocar uma vez e quase nunca mais. Os programas específicos é que deveriam se ater a relíquias do passado." (link para acompanhar)Imagino que a avaliação feita sobre a programação da Inconfidência, rádio estatal mineira, possa de alguma forma ser estendida a outros veículos de perfil semelhante. Da mesma forma que reconhecemos a música, em geral, ou qualquer uma de suas vertentes específicas, como a canção popular, como fenômenos que se dão no tempo, e que portanto se transformam pela ação dos homens, assim também devemos olhar os meios, incluindo aí o rádio, que não TEM que ser assim ou assado, mas se TORNA, entre outras coisas condicionado pelo lugar que ocupa no contexto da sociedade. E aqui tratamos de uma rádio pública, sobre a gestão da qual TODOS NÓS, como CIDADÃOS, temos o direito de opinar e interferir. Não podemos nos projetar para fora do Estado numa democracia. Do mesmo modo, aquilo que podemos, por convenção chamar MPB autoral, nem sempre esteve posicionada em certos "nichos" ou "faixas" da programação, e seu lugar em nossa história e cultura nos permite desejar e batalhar por reposicioná-la. Me incomoda demais o lugar-comum que se criou em torno do que se denomina, vagamente, de música independente, que na verdade se torna, sob um certo prisma, dependente de políticas públicas de financiamento cujas falhas temos debatido com insistência. Quase que automaticamente, imputa-se nesta "rubrica" o alheamento em relação a um público mais amplo e aos canais de circulação que não sejam "alternativos", reproduzindo por tabela uma divisão social do gosto cuja superação parece ser justamente (pelo menos para mim) um dos motores estéticos, políticos e sociais de nossa produção em música popular.
A ideia de uma carta-manifesto direcionada à Rádio Inconfidência (sugerida por nosso amigo Guilherme Lentz e progressivamente encampada por vários participantes da discussão), além de efetiva, me parece que tem alta carga histórica e simbólica. Desde já me prontifico a contribuir com sua redação. Sugiro, ainda, que seu lançamento se dê num evento público, que seja marcante e mobilize o melhor possível não só quem se envolve neste debate, mas a própria cidade. Não posso deixar de notar que o nome da rádio é Inconfidência, e o que esse nome evoca, numa leitura histórica que não seja laudatória, é a capacidade humana de se rebelar contra o "estabelecido". A critica/apelo, da forma que está posta, é justa e construtiva, e respalda uma Conjuração por uma rádio melhor.
P.S. 2019
Quase não toquei na Inconfidência e se continuar no rumo que vai, de quase passarei a nada kkkkk. Brincadeiras a parte, acabei relendo essa postagem antiga do meu blog em face desse perrengue recente. Ele é do tempo do domínio tucano, em 2012, e qualquer fantasia de que a rádio poderia reencontrar-se com o caminho de sua grandiosa História e até reinventar-se, parecia então distante utopia, o que não tirou o brio de tantos que se envolveram, esses anos todos que passaram, nessa luta mais que digna. Definitivamente, terá sido o único feito que o mandato de Pimentel deixou digno de lembrança. Agora novamente vemos a rádio Inconfidência ameaçada de sucateamento pelo governo Zema, velho lobo em pele de cordeiro novo. Esse pequeno feixe aceso num tempo difícil, ainda que - pasmem - não tão sombrio quanto o atual, que foi catapultado por um daqueles incisivos libelos do meu grande parceiro Pablo Castro, calhou de voltar às minhas vistas hoje só pra lembrar que se cairmos, vamos nos erguer novamente. E seremos Gigantes do Ar.
P.S. 2019
Quase não toquei na Inconfidência e se continuar no rumo que vai, de quase passarei a nada kkkkk. Brincadeiras a parte, acabei relendo essa postagem antiga do meu blog em face desse perrengue recente. Ele é do tempo do domínio tucano, em 2012, e qualquer fantasia de que a rádio poderia reencontrar-se com o caminho de sua grandiosa História e até reinventar-se, parecia então distante utopia, o que não tirou o brio de tantos que se envolveram, esses anos todos que passaram, nessa luta mais que digna. Definitivamente, terá sido o único feito que o mandato de Pimentel deixou digno de lembrança. Agora novamente vemos a rádio Inconfidência ameaçada de sucateamento pelo governo Zema, velho lobo em pele de cordeiro novo. Esse pequeno feixe aceso num tempo difícil, ainda que - pasmem - não tão sombrio quanto o atual, que foi catapultado por um daqueles incisivos libelos do meu grande parceiro Pablo Castro, calhou de voltar às minhas vistas hoje só pra lembrar que se cairmos, vamos nos erguer novamente. E seremos Gigantes do Ar.
Tomo a liberdade de compartilhar também o depoimento contundente, coberto de razão, dignidade e serviços prestados, do radialista Ricardo Parreiras:
Caro Luiz, é de posturas amadurecidas assim que precisamos. O manifesto está posto, agora falta realmente juntar as forças e pleitear. Saibam que esse descontentamento não se apresenta apenas entre a classe artística, está também nos ouvintes. São inúmeros os amigos meus que se decepcionaram - ao passar do tempo - com a programação da referida rádio. Enquanto as rádios comerciais trabalham na formação de gosto, a Inconfidência tem contribuído para o "cansaço do bom gosto". Mas isso ainda lhes assegura bons lugares nas suspeitosas pesquisas de audiência...
ResponderExcluirBoa Lopes, e bem colocado em relação aos ouvintes, pois com certeza as posições em torno do manifesto se fortalecem porque estão além de corporativismos pequenos. É uma visão de mundo e uma "audição" de música!
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