Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

30 de dezembro de 2012

Rosa semba dos ventos, dos rumos, dos ritmos

Recomendação do caríssimo amigo internético Alberto Júnior, de quem reproduzo o texto que segue:

"O disco Rosa Semba [ouça aqui] não é somente o registro da voz de Dicy [para conhecer Dicy Rocha, aqui]. Ele acaba sendo importante por ser um abraço sonoro, uma ponta de lança para os novos rumos que a música produzida em São Luís está direcionando. Nas dez músicas que compõem o álbum estão compositores inventivos, como o Beto Ehongue, o Elizeu Cardoso, o Gérson da Conceição, entre outros, que produzem música com aquela antena parabolicamará, ligada na diversidade e daquilo que eu poderia definir como reverberação étnica de nossas matrizes culturais.

Não é fácil selecionar canções e compor um álbum. Agregar músicos para o resultado sonoro que se espera num disco é também uma questão de sorte e afinidade. E isso faz de Rosa Semba também um diferencial porque reúne o talento de jovens músicos com potência e referencial sonoro atualizado com o que é contemporâneo. Trazem consigo a matriz de suas experiências de cultura popular, mas também estão com os ouvidos ligados na música que circula nas nuvens do ciberespaço. Eles não tem a presunção de uma carreira consolidada, mas o vigor da vontade de fazer música. E isso traz entusiasmo.

Eu defendo a ideia de que o disco é um trabalho de tradução. E foi fundamental a presença do músico espanhol Javier, que soube captar os arranjos que cada canção pedia e conseguiu produzir um trabalho radiofônico, com camadas sonoras que vão sendo desveladas a cada nova audição. Nas conversas que tive com o músico, me encantou a maneira como ele descreve seu processo criativo associando musicalidade com experiências sinestésicas. O desafio depois foi o de decidir qual seria o melhor arranjo na diversidade de opções.

Agora, mais do que o resultado sonoro que o disco apresenta, o que na verdade é o seu objetivo, valeu muito à pena acompanhar o processo de feitura, que é quando canção vai ganhando forma, conteúdo e exuberância. A paciência e maturidade de esperar pelo melhor momento foi o que trouxe a consistência que o disco precisava. É claro que tudo com uma dose de intuição e confiança no coletivo, em acreditar que era possível fazer um álbum atemporal. E nesse aspecto, o Joaquim Zion Ferreira estava certo desde o começo. Ele que abraçou a ideia como quem abraça a um filho. O que é a mesma coisa aqui.

Espero que esse pequeno relato tenha despertado a tua curiosidade em ouvir o Rosa Semba. Ele ainda não existe em forma de produto, mas será apresentado hoje aos ouvidos curiosos e afetivos, como uma maneira delicada de saudar o novo ano, abraçar a querida Dicy e ter aquele otimismo de que a produção musical no maranhão pode acontecer de um jeito tranquilo e digno.

Beijo, nega."
Alberto Júnior



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