Em meio às atribulações de final de semestre típicas da vida de professor, o projeto antigo dessa lista que finalmente ganha forma, e as centenas de acessos que já receberam as partes das "30 mais geniais do Clube da Esquina" [completa, aqui] pelas mãos de meu grande amigo e parceiro Pablo Castro me lembram o verdadeiro valor do tempo que podemos despender naquilo que amamos. Convido os leitores a compartilhar conosco esse tempo. Desde já obrigado pelo prestígio e pela presença.
--##--
Não tenho como deixar de homenagear Oscar Niemeyer aqui, e sem forçar nada a barra - a décima-terceira escolhida é CÉU DE BRASÍLIA de Toninho Horta e Fernando Brant. A grandiosidade da obra arquitetônica da capital inventada no meio do nada no Planalto Central só poderia ter uma tradução musical tão engenhosa quanto.
Uma longa introdução no fortíssimo , com uma guitarra distorcida (!) e banda e orquestra já dá o recado do nível de transbordamento que a faixa carrega , condensando a cadência harmônica a ser desenvolvida adiante, quando se tudo se esvai e resta o violão e a voz de Toninho , numa terna balada : " a cidade acalmou ..."
Brant ousava ser mais concreto , alguém diria até prosaico, quando não compunha com Milton, e a letra vai construindo "ingenuamente" o caminho que descreve as alturas da música de Toninho. "O horizonte imenso aberto sugerindo mil direções" é o ápice desse vôo, que começa tão pé no chão.
É com naturalidade que a melodia, angulosa e com inúmeros saltos, como é típico de seu autor, vai se adensando ao arranjo e criando uma "tour de force" , catapultando o homem comum aos imensos horizontes que um dia o arquiteto Oscar ilustrou com suas ambiciosas e descomprometidas curvas.
"E eu nem quero saber se foi bebedeira louca ou lucidez ..." de todas as músicas de Toninho, pra mim essa é a mais emocionante, transcendental, intensa, para além da sua costumeira elegância e inteligência como compositor. Notável que nela, ele não só toque guitarra, violão e baixo, como faz a formidável orquestração.
Uma longa introdução no fortíssimo , com uma guitarra distorcida (!) e banda e orquestra já dá o recado do nível de transbordamento que a faixa carrega , condensando a cadência harmônica a ser desenvolvida adiante, quando se tudo se esvai e resta o violão e a voz de Toninho , numa terna balada : " a cidade acalmou ..."
Brant ousava ser mais concreto , alguém diria até prosaico, quando não compunha com Milton, e a letra vai construindo "ingenuamente" o caminho que descreve as alturas da música de Toninho. "O horizonte imenso aberto sugerindo mil direções" é o ápice desse vôo, que começa tão pé no chão.
É com naturalidade que a melodia, angulosa e com inúmeros saltos, como é típico de seu autor, vai se adensando ao arranjo e criando uma "tour de force" , catapultando o homem comum aos imensos horizontes que um dia o arquiteto Oscar ilustrou com suas ambiciosas e descomprometidas curvas.
"E eu nem quero saber se foi bebedeira louca ou lucidez ..." de todas as músicas de Toninho, pra mim essa é a mais emocionante, transcendental, intensa, para além da sua costumeira elegância e inteligência como compositor. Notável que nela, ele não só toque guitarra, violão e baixo, como faz a formidável orquestração.
CÉU DE BRASÍLIA
A cidade acalmou
logo depois das dez
Nas janelas a fria luz
da televisão divertindo as famílias
Saio pela noite andando nas ruas
Lá vou eu pelo ar asas de avião
Me esquecendo da solidão
da cidade grande, do mundo dos homens
num vôo maluco que eu vou inventando
E vôo até ver nascer
o mato, o sol da manhã,
as folhas, os rios, o azul
Beleza bonita de ver
Nada existe como o azul sem manchas
do céu do Planalto Central
e o horizonte imenso aberto
sugerindo mil direções
E eu nem quero saber se foi bebedeira louca
ou lucidez...
A cidade acalmou
logo depois das dez
Nas janelas a fria luz
da televisão divertindo as famílias
Saio pela noite andando nas ruas
Lá vou eu pelo ar asas de avião
Me esquecendo da solidão
da cidade grande, do mundo dos homens
num vôo maluco que eu vou inventando
E vôo até ver nascer
o mato, o sol da manhã,
as folhas, os rios, o azul
Beleza bonita de ver
Nada existe como o azul sem manchas
do céu do Planalto Central
e o horizonte imenso aberto
sugerindo mil direções
E eu nem quero saber se foi bebedeira louca
ou lucidez...
--##--
A décima-quarta é CRUZADA de Tavinhomoura Moura e Márcio Borges, canção espetacular, demonstrando tanto o arrojo melódico-rítmico desconcertante quanto a simplicidade de seu autor.
A melodia inicial é um caso exemplar de tematização melódica, divisão rítmica incisiva (e métrica irregular), oscilando entre o maior e o menor, alternando escala menor harmônica e melódica, e a maior harmônica, é uma aula de fluidez e surpresa da melodia, de forma que, apesar de ousada, é altamente cantarolável, e o sucesso da música prova isso.
Márcio Borges discorre sobre a insegurança política da época sem datar o texto, poderíamos falar de como hoje em dia sabemos "do perigo que nos rodeia pelos caminhos". O final da melodia do A caindo na reconfortante terça maior "acalma no seu olhar" ...
Já o refrão é dos mais lindos acalantos de toda a obra do Clube, daqueles perfis melódicos ascendentes que são claramente incomumente inspirados, sem fazer força. O contraste entre o alívio do refrão e a tensão das estrofes é uma das chaves do sucesso dessa música, gravada primeiramente por Beto Guedes, que, diga-se de passagem, fez sua versão com uma solução rítmica diferente da de Tavinho, e acabou se fixando mais na memória dos ouvintes.
Por esse motivo, preferi colocar a versão de Beto Guedes, embora saiba que o compositor pense diferente ... a letra, mais uma vez, em sua aparente desconexão, é a perfeita ponte entre os perigos das estrofes e o abrigo do refrão, e outra parte se faz desnecessária, embora saibamos que Tavinho tem um lindo intermezzo em sua versão [ouça aqui]. É um clássico imortal dele.
A melodia inicial é um caso exemplar de tematização melódica, divisão rítmica incisiva (e métrica irregular), oscilando entre o maior e o menor, alternando escala menor harmônica e melódica, e a maior harmônica, é uma aula de fluidez e surpresa da melodia, de forma que, apesar de ousada, é altamente cantarolável, e o sucesso da música prova isso.
Márcio Borges discorre sobre a insegurança política da época sem datar o texto, poderíamos falar de como hoje em dia sabemos "do perigo que nos rodeia pelos caminhos". O final da melodia do A caindo na reconfortante terça maior "acalma no seu olhar" ...
Já o refrão é dos mais lindos acalantos de toda a obra do Clube, daqueles perfis melódicos ascendentes que são claramente incomumente inspirados, sem fazer força. O contraste entre o alívio do refrão e a tensão das estrofes é uma das chaves do sucesso dessa música, gravada primeiramente por Beto Guedes, que, diga-se de passagem, fez sua versão com uma solução rítmica diferente da de Tavinho, e acabou se fixando mais na memória dos ouvintes.
Por esse motivo, preferi colocar a versão de Beto Guedes, embora saiba que o compositor pense diferente ... a letra, mais uma vez, em sua aparente desconexão, é a perfeita ponte entre os perigos das estrofes e o abrigo do refrão, e outra parte se faz desnecessária, embora saibamos que Tavinho tem um lindo intermezzo em sua versão [ouça aqui]. É um clássico imortal dele.
Não sei andar sozinho por essas ruas
Sei do perigo que nos rodeia pelos caminhos
Não há sinal de paz mas tudo me acalma no seu olhar
Não quero ter mais sangue morto na veia
Quero o abrigo do seu abraço que me incendeia
Não há sinal de cais mas tudo me acalma no teu olhar
Você parece comigo, nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo dá abrigo
Flor nas janelas da casa, olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo dá abrigo
Se dá um riso dá um tiro ...
--##--
A décima-quinta é O QUE FOI FEITO DEVERÁ (de Vera), de Milton Nascimento, Fernando Brant e Márcio Borges.
Bituca experimentou pedir letra pra dois parceiros, sem que ambos soubessem, sobre a mesma música e a mesma temática, algo falando do passado, e é revelador contrastar as duas abordagens.
Fernando, mais idílico, mais individual, tentando conciliar de alguma forma o passado e o futuro, à luz das experiências vividas à revelia sob os trilhos do trem da história (a história é um carro alegre, cheio dum povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue, diria Chico Buarque no mesmo disco), enquanto Márcio , mais icônico, mais contrastante, "nuvem no céu e raiz", é algo mais inquieto, mais explosivo: "Nem vá dormir como pedra e esquecer o que foi feito de nós".
Intertextualidades à flor da pele, com várias canções já clássicas do Clube sendo incorporadas ao texto, como Vera Cruz, de Milton e do próprio Márcio, e Fé Cega , Faca Amolada, de Milton e Ronaldo Bastos, e Outubro, de Milton e Brant; a consumação de um sentido de parceria e amizade se dá dentro das letras, e isso revela a intensidade da canção.
Elis, que já tinha gravado a canção de Brant, faz uma aparição magistral no Clube da Esquina 2, enquanto Milton canta a de Márcio, mas as duas parecem, no fim, capítulos do mesmo romance, e se completam.
Musicalmente, daquelas preciosidades simples e altamente originais: o mesmo acorde oscila entre o suspenso, o maior (com sétima) e o menor (com sétima), fazendo um movimento pendular que ilustra a perplexidade do homem em relação à vertigem do tempo, da existência humana e de seus desdobramentos metafísicos, e depois recai sobre um empréstimo do modo frígio, um tempero misterioso, só pra voltar ao mesmo acorde suspenso e finalmente resolver no quarto grau ... para leigos, basta dizer que é sintético, e altamente misterioso. A melodia, linda, vai perpassando esses intervalos com grande fluidez, dando sentido total a essa baita ambiguidade harmônica.
Convém, por fim, observar que essas originalidades harmônicas de altos quilates do Clube em geral vão criar um clima onírico, deslocado, de descoberta, de elocubração, de quem tateia o desconhecido. Talvez o passado seja tão desconhecido, desse ponto de vista, quanto o futuro ...
Bituca experimentou pedir letra pra dois parceiros, sem que ambos soubessem, sobre a mesma música e a mesma temática, algo falando do passado, e é revelador contrastar as duas abordagens.
Fernando, mais idílico, mais individual, tentando conciliar de alguma forma o passado e o futuro, à luz das experiências vividas à revelia sob os trilhos do trem da história (a história é um carro alegre, cheio dum povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue, diria Chico Buarque no mesmo disco), enquanto Márcio , mais icônico, mais contrastante, "nuvem no céu e raiz", é algo mais inquieto, mais explosivo: "Nem vá dormir como pedra e esquecer o que foi feito de nós".
Intertextualidades à flor da pele, com várias canções já clássicas do Clube sendo incorporadas ao texto, como Vera Cruz, de Milton e do próprio Márcio, e Fé Cega , Faca Amolada, de Milton e Ronaldo Bastos, e Outubro, de Milton e Brant; a consumação de um sentido de parceria e amizade se dá dentro das letras, e isso revela a intensidade da canção.
Elis, que já tinha gravado a canção de Brant, faz uma aparição magistral no Clube da Esquina 2, enquanto Milton canta a de Márcio, mas as duas parecem, no fim, capítulos do mesmo romance, e se completam.
Musicalmente, daquelas preciosidades simples e altamente originais: o mesmo acorde oscila entre o suspenso, o maior (com sétima) e o menor (com sétima), fazendo um movimento pendular que ilustra a perplexidade do homem em relação à vertigem do tempo, da existência humana e de seus desdobramentos metafísicos, e depois recai sobre um empréstimo do modo frígio, um tempero misterioso, só pra voltar ao mesmo acorde suspenso e finalmente resolver no quarto grau ... para leigos, basta dizer que é sintético, e altamente misterioso. A melodia, linda, vai perpassando esses intervalos com grande fluidez, dando sentido total a essa baita ambiguidade harmônica.
Convém, por fim, observar que essas originalidades harmônicas de altos quilates do Clube em geral vão criar um clima onírico, deslocado, de descoberta, de elocubração, de quem tateia o desconhecido. Talvez o passado seja tão desconhecido, desse ponto de vista, quanto o futuro ...
O QUE FOI FEITO DEVERÁ (de Vera) ( Brant)
O que foi feito, amigo,
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida,
O que foi feito do amor
Quisera encontrar aquele verso menino
Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade,
Falo assim por saber
Se muito vale o já feito,
Mais vale o que será
Mais vale o que será
E o que foi feito é preciso
Conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza,
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
Nós iremos crescer,
Outros outubros virão
Outras manhãs, plenas de sol e de luz
O que foi feito de Vera ( Borges)
Alertem todos alarmas
Que o homem que eu era voltou
A tribo toda reunida,
Ração dividida ao sol
E nossa vera cruz,
Quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par
Quando o cansaço era rio
E rio qualquer dava pé
E a cabeça rolava num gira-girar de amor
E até mesmo a fé não era cega nem nada
Era só nuvem no céu e raiz
Hoje essa vida só cabe
Na palma da minha paixão
Devera nunca se acabe,
Abelha fazendo o seu mel
No canto que criei,
Nem vá dormir como pedra e esquecer
O que foi feito de nós
--##--
A Décima-sexta da Lista do Clube da Esquina é TIRO CRUZADO, de Nelson Ângelo e Márcio Borges. Não se pode olvidar quando uma canção tem uma versão de Tom Jobim. Eu poderia listar outras do esquecido e inspirado LP Nelson Ângelo e Joyce, de 1972, pela quantidade de pérolas contidas ali, mas decidi ficar com essa pela carreira que ela teve: foi gravada muitas vezes, tem uma versão bastante interessante, por exemplo, do Sérgio Mendes [aqui], e dá o recado de cara.
Das formalmente mais simples do álbum, Tiro Cruzado tem um daqueles acordes indecifráveis, altamente tensos, o que corrobora para o letra desafiador do Márcio: "Pula muro, cai do cavalo, pula que eu quero ver!" Ritmicamente, pode-se falar numa espécie de samba, mas , como sempre é um samba mineiro, altamente diferido, o que , com certeza, deve ter despertado a atenção de Jobim quando a gravou ao lado de Miúcha [ouça aqui].
O corpo da música é tão expressivo que ela não tem um B! É um A repetido o tempo inteiro, o que faz dela um exemplo de sinteticidade na canção que é muito raro. Tornou-se um clássico, apesar de hoje quase ninguém mais a conhecer das novas gerações. Se você gostar, aconselho a ouvir todas desse discaço.
Atenção para a ficha técnica, que inclui o desaparecido Tenório Jr.
Joyce e Nelson Angelo - voz
Nelson Angelo - violãoDanilo Caymmi - flautas
Tenório Jr. -piano elétrico
Novelli - baixo
Hélcio Milito - bateria
Rubinho - tumbas
TIRO CRUZADO
Pula do muro
Cai do cavalo
Pula que eu quero ver
Sombra no escuro
Verde maduro
Corre que eu quero ver
Salta de lado
Tiro cruzado
Dança que eu quero ver
Corta de canivete que eu quero ver
Segura que é agora que eu quero ver
Que eu quero ver (4x)
Segura que é agora que eu quero ver
Pula do muro... segura que é agora que eu quero ver
Segura que é agora que eu quero ver
Segura que é agora que eu quero
--##--
A Lista do Clube continua! CASO VOCÊ QUEIRA SABER! essa obscura canção de Beto Guedes em parceria com Márcio Borges, que abria o célebre álbum dos "4 no banheiro" - Beto Guedes, Toninho Horta, Novelli e Danilo Caymmi.
Ficha Técnica da versão com o Milton:
Milton Nascimento : Voz e violão
Beto Guedes : Bateria, viola e voz
Fernando Leporace : baixo
Nivaldo Ornellas : sax-tenor
Wagner Tiso : órgão e piano elétrico (distorcido)
Toninho Horta : guitarra.
Das músicas mais inclassificáveis do compositor, e das primeiras feitas por ele, entretanto ela já estabelece alguns elementos distintivos de seu trabalho, a saber: ritmo em 12/8, alta tessitura vocal, rupturas de escala inesperadas, e um estribilho dramático com aguda melodia que é a única parte que se repete na música.
A forma é altamente irregular, com um A que nunca volta, uma ponte, um B, cuja conclusão é idêntica à do A, e finalmente esse refrão: "Já conheço seus segredos, seu tempero e seu suor, mas não consigo perder mais tempo" ...Essa urgência está espelhada pelo arranjo intenso, principalmente na melhor versão dela, na minha humilde opinião, que saiu num compacto de Milton* e que termina com um sublime solo de sax-tenor do grande Nivaldo Ornelas, e hoje é encontrada como bonus track do disco Minas, de 1975.
A negatividade da letra contrasta com quase toda a obra de Beto, que fez da positividade seu fio condutor... entretanto, raras vezes ele compôs algo tão genuinamente feroz e vital quanto essa música ...
Não é à toa que Cássia Eller fez uma versão admirável [aqui] em seu segundo disco, transformando a música mas mantendo, evidentemente, sua agressividade**...
Milton Nascimento : Voz e violão
Beto Guedes : Bateria, viola e voz
Fernando Leporace : baixo
Nivaldo Ornellas : sax-tenor
Wagner Tiso : órgão e piano elétrico (distorcido)
Toninho Horta : guitarra.
CASO VOCÊ QUEIRA SABER!
Não quero você mais na minha casa
Corpo e rosto em pedra
Sei o que me fere em você
Eu não quero nada
Com seu riso indecente
Já conheço o seu tempero
Seu segredo e seu suor
Mas não consigo perder mais tempo
Você tem que ir embora
Já começa a amanhecer
Parece outro dia negro
*com a versão de Norwegian Wood do outro lado[nota do editor].
** aliás, procurando pela ficha técnica da gravação dos "4 no banheiro" deparei-me com uma excelente análise do amigo Túlio Ceci Kaiowa Villaça sobre como Cássia Eller transformou essa canção em uma outra coisa, num texto muito esclarecedor! E , de brinde, consegui a minha ficha técnica! Valeu demais, Túlio! [nota do autor]E vai aí a ficha dos "4 no banheiro":
Beto Guedes: Voz, violão e bateria
Flávio Venturini: acordeon
Frederiko: guitarra
Lô Borges: baixo elétrico
Maurício Maestro (líder do grupo vocal Boca Livre): percussão
Novelli (notável baixista): percussão
Toninho Horta: percussão
Vermelho (integrante do 14 Bis): órgão
--##--
A décima-oitava da lista é O TREM AZUL, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, bastante conhecida, um clássico, e não é pra menos ... Cabe aqui uma digressão sobre o caráter surrealista de várias letras do Clube da Esquina, e sua evidente relação com os procedimentos musicais nas composições e nos arranjos.
Não se poderia esperar de músicas que trilham veredas harmônicas inauditas e com alto grau de descolamento do sistema tonal clássico (em termos de música popular) letras muito amarradas, narrativas com começo, meio e fim, e muito menos avaliá-las como texto fora da canção, embora isso possa ser interessante como elemento de análise.
Esse surrealismo encontrou várias maneiras de se realizar nessas canções, e nunca essa realização se deu por meio de um sentimento tão entorpecido, enigmático, vago como em O Trem Azul. A construção harmônico-melódica é de tal simplicidade e ao mesmo tempo engenhosidade que foi imediatamente reconhecida como uma música importante dentro da produção da turma do Clube.
Basicamente, na estrofe (que se repete só com uma letra) a melodia fica sempre na sétima maior de cada acorde, proporcionando uma certa maciez em cada um deles, um caráter vago, pouco concreto e afirmativo, que se associa claramente aos versos: coisas que a gente se esquece de dizer, frases que o vento vem ás vezes me lembrar...
A harmonia tem o tom claro de Dó maior, mas todos os acordes da estrofe são da região de dó menor (com um acorde do modo frígio), o que também corrobora essa macia e ingênua estranheza... O refrão contrasta por subir um mínimo degrau entre a sétima maior e a tônica, dando um pouco mais de afirmação à melodia. Essa característica lenta, prostrada e contraída da melodia é bastante distintiva da canção, que, de resto, estilisticamente, podemos considerar o cruzamento por excelência entre os Beatles e a Bossa-Nova.
O ritmo quadrado e lento do roque britânico com as aventuras harmônicas e calmas da bossa-nova nunca se cruzariam de forma tão equilibrada como em O Trem Azul. As metáforas do sol na cabeça sugerem uma referência ao LSD. embora nem de longe seja preciso estar doidão pra amar essa canção. Tom Jobim, por exemplo, era mais chegado num uísque, mas não só gravou a música como fez, ele próprio, uma versão para o inglês, reproduzindo inclusive a melodia do célebre solo de guitarra no intermezzo instrumental que Toninho Horta imortalizou naquela sessão [ouça aqui].
Ficha Técnica:
Lô Borges : guitarra de 12 e voz
Toninho Horta: guitarra solo e vocal
Beto Guedes: Baixo e vocal
Robertinho Silva : bateria/
Wagner Tiso: órgão
Não se poderia esperar de músicas que trilham veredas harmônicas inauditas e com alto grau de descolamento do sistema tonal clássico (em termos de música popular) letras muito amarradas, narrativas com começo, meio e fim, e muito menos avaliá-las como texto fora da canção, embora isso possa ser interessante como elemento de análise.
Esse surrealismo encontrou várias maneiras de se realizar nessas canções, e nunca essa realização se deu por meio de um sentimento tão entorpecido, enigmático, vago como em O Trem Azul. A construção harmônico-melódica é de tal simplicidade e ao mesmo tempo engenhosidade que foi imediatamente reconhecida como uma música importante dentro da produção da turma do Clube.
Basicamente, na estrofe (que se repete só com uma letra) a melodia fica sempre na sétima maior de cada acorde, proporcionando uma certa maciez em cada um deles, um caráter vago, pouco concreto e afirmativo, que se associa claramente aos versos: coisas que a gente se esquece de dizer, frases que o vento vem ás vezes me lembrar...
A harmonia tem o tom claro de Dó maior, mas todos os acordes da estrofe são da região de dó menor (com um acorde do modo frígio), o que também corrobora essa macia e ingênua estranheza... O refrão contrasta por subir um mínimo degrau entre a sétima maior e a tônica, dando um pouco mais de afirmação à melodia. Essa característica lenta, prostrada e contraída da melodia é bastante distintiva da canção, que, de resto, estilisticamente, podemos considerar o cruzamento por excelência entre os Beatles e a Bossa-Nova.
O ritmo quadrado e lento do roque britânico com as aventuras harmônicas e calmas da bossa-nova nunca se cruzariam de forma tão equilibrada como em O Trem Azul. As metáforas do sol na cabeça sugerem uma referência ao LSD. embora nem de longe seja preciso estar doidão pra amar essa canção. Tom Jobim, por exemplo, era mais chegado num uísque, mas não só gravou a música como fez, ele próprio, uma versão para o inglês, reproduzindo inclusive a melodia do célebre solo de guitarra no intermezzo instrumental que Toninho Horta imortalizou naquela sessão [ouça aqui].
Ficha Técnica:
Lô Borges : guitarra de 12 e voz
Toninho Horta: guitarra solo e vocal
Beto Guedes: Baixo e vocal
Robertinho Silva : bateria/
Wagner Tiso: órgão
O TREM AZUL
Coisas que a gente se esquece de dizer
Frases que o vento vem às vezes me lembrar
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Na canção do vento não se cansam de voar
Você pega o trem azul
O sol na cabeça
O sol pega o trem azul
Você na cabeça
O sol na cabeça
Olá, Luiz e Pablo. Só agora estou tendo tempo para degustar devidamente esta série, e de quebra descobri este blog excelente. Achei ótima a coincidência de o Pablo ter resolvido fazê-la justamente quando eu me dispunha a esmiuçar A página do relâmpago elétrico no meu blog, ao qual agradeço a referência (para outro post) alí acima. Agora, a referência ao LSD que o Pablo detecta no trem azul a mim parece mais clara ainda na outra, em versos como "desata o nó dos cinco sentidos, seguida de várias sinestesias na letra... A mim parece, e registrei lá, que além da influência dos Beatles, o rock progressivo em geral, com suas letras fantásticas - influência que, de resto, se reflete no Som Imaginário e no Terço, entre outras bandas. Bom ver que as análises bateram aqui também. Abraço em todos e parabéns.
ResponderExcluirGrande Túlio Villaça, que bom tê-lo aqui e as correspondências são indícios importantes pra gente, parâmetros pra continuar pensando e trocando ideias. Suas observações procedem, agora me lembro que encontrei algumas referências sobre o uso do termo "sol" para designar o LSD entre aqueles que consumiam. Mas sim, e tudo se articula com essa questão dos sentidos e da viagem. Na minha dissertação falei sobre isso. O rock progressivo, com certeza, tanto o Lô quanto o Beto evidenciam essa referência, me lembro tb que o Marcinho cita no livro dele coisas como Yes Album e Tarkus do ELP. Falta até um estudo melhor sobre a apropriação do progressivo na nossa música popular. Um grande abraço e apareça sempre!
Excluirnesses dias me deparei com a letra da música cruzada, já conhecia a melodia , mas a letras infantis segundo minha arte de decodificar a mente do escritor...na frase não quero ter mais sangue morto na veia....nos remete a duplo sentido....político do perigo ao andar sozinho no caminho....e a calma ao encontrar a amada....fazendo o sangue gélido se aquecer ao calor do amor.....que grande sacada.....parabens pelo blog...
ResponderExcluir