Há 15 anos atrás publiquei na edição de estréia do saudoso Jornal do Cahis (Centro Acadêmico dos estudantes de História da UFMG) um pequeno artigo intitulado Memórias no chão: acerca de "Ruas da cidade". Para marcar o aniversário de Belo Horizonte, lembrei dessa grande canção de Lô e Marcio Borges que me inspirou, ainda na graduação, a pesquisar a cidade e o Clube da Esquina. Entre seus méritos e falhas, vejo um "retrato do historiador quando jovem" e me divirto com o que a passagem do tempo fez mudar ou tornou de certa forma irônico, como a citação de Abílio Barreto, defendendo um panteão nas ruas para perpetuar os cidadãos dignos da lembrança do povo. Jamais passaria pela minha cabeça que iria trabalhar no museu criado pelo sujeito e posteriormente renomeado em sua memória. Nomes de quem morreu... Encontro também a marca de Benjamin, tomado no que seu pensamento tem de mais radical, ali no momento do impacto da leitura das Teses sobre a História. Inevitável pensar na aplicação dessa perspectiva aos conflitos atuais envolvendo o território dos Guarani Kaiowá.
“As ruas com nomes de índios são como cemitérios aonde se enterram os anônimos derrotados: Todos no chão são pisados diariamente, e inadvertidamente, pela gente que passa. À separação imposta pelo saber delimitador, Lô e Márcio contrapõem um princípio unificador - o princípio dos derrotados - que devem ser relembrados pela devastação que a civilização lhes trouxe, que não pode ser redimida na assimilação fácil do nome(...)” (Jornal do Cahis, ano 1, n° zero, p.6)
Também por coisas que ficaram (ou eventualmente ficarão) por dizer, deu vontade de fazer uma espécie de profissão de fé. No trabalho sério, na dedicação, na crítica bem construída, no compromisso do pesquisador com seu ofício, nas outras formas de ser e estar na cidade, nos significados criados através da música, nos amigos.
Ruas da cidade
Guiacurus Caetés Goitacazes
Tupinambás Aimorés
Todos no chão
Guajajaras Tamoios Tapuias
Todos Timbiras Tupis
Todos no chão
A parede das ruas
Não devolveu
Os abismos que se rolou
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial, o arraial
Passa bonde passa boiada
Passa trator, avião
Ruas e reis
Guajajaras Tamoios Tapuias
Tupinambás Aimorés
Todos no chão
A cidade plantou no coração
Tantos nomes de quem morreu
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial, ao arraial
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