Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

13 de dezembro de 2012

Lembrar das ruas da cidade


Há 15 anos atrás publiquei na edição de estréia do saudoso Jornal do Cahis (Centro Acadêmico dos estudantes de História da UFMG) um pequeno artigo intitulado Memórias no chão: acerca de "Ruas da cidade". Para marcar o aniversário de Belo Horizonte, lembrei dessa grande canção de Lô e Marcio Borges que me inspirou, ainda na graduação, a pesquisar a cidade e o Clube da Esquina. Entre seus méritos e falhas, vejo um "retrato do historiador quando jovem" e me divirto com o que a passagem do tempo fez mudar ou tornou de certa forma irônico, como a citação de Abílio Barreto, defendendo um panteão nas ruas para perpetuar os cidadãos dignos da lembrança do povo. Jamais passaria pela minha cabeça que iria trabalhar no museu criado pelo sujeito e posteriormente renomeado em sua memória. Nomes de quem morreu... Encontro também a marca de Benjamin, tomado no que seu pensamento tem de mais radical, ali no momento do impacto da leitura das Teses sobre a História. Inevitável pensar na aplicação dessa perspectiva aos conflitos atuais envolvendo o território dos Guarani Kaiowá.

“As ruas com nomes de índios são como cemitérios aonde se enterram os anônimos derrotados: Todos no chão são pisados diariamente, e inadvertidamente, pela gente que passa. À separação imposta pelo saber delimitador, Lô e Márcio contrapõem um princípio unificador - o princípio dos derrotados - que devem ser relembrados pela devastação que a civilização lhes trouxe, que não pode ser redimida na assimilação fácil do nome(...)” (Jornal do Cahis, ano 1, n° zero, p.6) 

Também por coisas que ficaram (ou eventualmente ficarão) por dizer, deu vontade de fazer uma espécie de profissão de fé. No trabalho sério, na dedicação, na crítica bem construída, no compromisso do pesquisador com seu ofício, nas outras formas de ser e estar na cidade, nos significados criados através da música, nos amigos. 





Ruas da cidade

Guiacurus Caetés Goitacazes 

Tupinambás Aimorés 
Todos no chão

Guajajaras Tamoios Tapuias 
Todos Timbiras Tupis 
Todos no chão
A parede das ruas

 Não devolveu 
Os abismos que se rolou 
Horizonte perdido no meio da selva 
Cresceu o arraial, o arraial

Passa bonde passa boiada 
Passa trator, avião 
Ruas e reis

Guajajaras Tamoios Tapuias 

Tupinambás Aimorés 
Todos no chão
A cidade plantou no coração 

Tantos nomes de quem morreu 
Horizonte perdido no meio da selva 
Cresceu o arraial, ao arraial

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