Conferi ontem a exposição Viva Elis, em cartaz no Palácio das Artes (BH) entre os dias 27 de novembro e 6 de janeiro de 2013 [outras informações, aqui]. Com uma proposta de tributo, bem definida desde o princípio, inclusive pela presença do filho João Marcelo Bôscolli como um dos curadores (ao lado de Allen Guimarães), a exposição cumpre bem essa proposta. Como encontrei uma resenha panorâmica e correta, feita por Danilo Casaletti [aqui], vou apenas complementar e pontuar algumas coisas.
É basicamente um bom apanhado de imagens em vídeo, fotos, algumas citações de entrevistas (que devem ter tirado do livro Furacão Elis) e a discografia digitalizada que pode ser ouvida em terminais. Tem ainda alguns vestidos, reproduções de figurinos, achei meio sem jeito porque não tem mais nada de acervo tridimensional, salvo um microfone (sem qualquer legenda ou indicação) que está perdido numa área fechada em que passa o vídeo final muito bem editado. Pra variar a exposição não teve pesquisa de fundo, apenas identificação e seleção de acervo. A coisa mais parecida com pesquisa são recortes de jornais e revistas, críticas de época associados aos discos que ficam nos terminais mas sem maiores desdobramentos e com acesso bem ruim. A maioria das pessoas fica ali ouvindo as músicas - o que é essencial, diga-se de passagem, mas não chega a ler. Outra solução poderia ter enriquecido a experiência da audição.
Como é de costuma nessas exposições, a vida do biografado é aplainada e as contradições são apagadas ou atenuadas. A narração do episódio em que Elis foi pressionada a cantar nas Olimpíadas do Exército em 1972 (governo Médici) omite entre os desdobramentos desse fato o "enterro" dela no cemitério dos mortos-vivos do Cabôco Mamadô, personagem de Henfil no Pasquim [para que se interessar sobre esse assunto, aqui]. Oportunidade perdida de mostrar as tensões e contradições do período e o lugar-chave ocupado por Elis no cenário cultural e político brasileiro, desembocando na tocante reaproximação entre os dois por intermédio da gravação de O Bêbado e a Equilibrista (J.Bosco/A.Blanc), que viria a se tornar o "hino da Anistia". Essa história merecia ser tratada com algum destaque. Inclusive, não sosseguei até achar isso...
Uma coisa não gostei mesmo foi um "dedo" do Nelson Motta (e, suspeito, mãozinha de J.M. Bôscoli), inclusive no próprio texto que lhe foi encomendado, tentando destacar o momento da carreira da Elis em que ele foi o produtor. Fica ridículo e ainda por cima não procede ele afirmar que os discos "Em pleno verão"(1970) e "Ela"(1971) sejam clássicos. São quando muito um certo "acerto de contas" com o Tropicalismo (também não foi à toa que logo na abertura o compositor convocado para falar de Elis tenha sido justamente Caetano), ou mais claramente o acordo de paz entre a MPB e o rock bem tocado, indicando a superação das tensões anteriores em que a própria Elis foi grande protagonista. A exposição apaga esse protagonismo, pois não toca por exemplo no fato dela ter sido uma das líderes da passeata contra a guitarra. Pelo contrário, o texto-narciso de Caetano inclusive cumpre esse papel, atenuando os antagonismos ao enfatizar que, apesar das diferenças, ele reconhecia desde o início o grande talento da cantora. Esse foi um tema que toquei tangencialmente na Tese e tenho vontade de explorar melhor. É curioso que desses discos as canções que mais marcaram e podemos dizer que residem no repertório canônico de Elis sejam Vou Deitar E Rolar (Quaquaraquaquá) (Baden e P.C. Pinheiro) e Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza).Outro dado interessante é que na banda que atuou nas gravações de Ela figuravam Nelson Angelo, Novelli e Toninho Horta. Aliás, o vínculo profundo de Elis com Milton e o Clube não fica muito evidente ao longo da exposição, o que fica compensado no final com a belíssima edição do vídeo final em que ela canta Canção do Sal, a primeira canção de Bituca que gravou. É assunto para próximas pesquisas e postagens.
Enfim, é uma exposição bem acabada, inclusive na maior parte é sóbria, o que é um mérito, mas falta conteúdo e reflexão. Não posso deixar de achar que a Elis merece ainda mais. De todo modo, vale demais ir e ficar escutando Elis cantando e dando entrevista - ela sendo entrevistada é quase tão emocionante quanto cantando. Quase.
Na minha atrevida opinião a Elis passou a ser uma cantora completa e universal quando foi produzida pelo Nelson motta.Seu disco de 71 é o melhor de sua carreira e o de 70 sem dúvida é um dos melhores.Grande Nelsinho.
ResponderExcluirO Caetano assim como Augusto de campos achava que a Elis representava um ponto fora da linha evolutiva da música brasileira (um retrocesso).Isso nos anos 60,porque depois ele sempre elogiou o talento da pimentinha.Quando ela foi vaiada no Pfono 73,ele simplesmente disse "Respeitem a maior cantora dessa terra".
ResponderExcluirCaríssimo Ademar, sempre presente e sempre bem-vindo. No caso dos discos vou me permitir discordar. Caetano criticava aqueles que folclorizavam o subdesenvolvimento - com razão - mas acho que também é possível "folclorizar o desenvolvimento" e é o que N.Motta faz com frequência. Nos anos 1960 Elis já estava próxima do samba-jazz e também da música de Milton Nascimento e isso pra mim já mostra que sua defesa da brasilidade não era xenófoba. Mas vale conferir a posição dela em 1979 http://jovempan.uol.com.br/entretenimento/dois-diretores-em-cena/elis-exalta-sua-brasilidade-no-festival-de-montreux-nao-sou-colonizada.html
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