Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

16 de dezembro de 2012

Lendo Canção: A volta da Asa branca

Lendo Canção: A volta da Asa branca
Leonardo Davino em mais uma postagem de prima. Gilberto Gil canta Luiz Gonzaga, cantos fundantes do Brasil e de sua canção popular [acesse o link para a versão completa]

Um trecho pra ir dando vontade de ler tudo...
"É do luxo exuberante e óbvio do vivente-cantador da "festafeira no pino do sol a pino", cantador das tragédias do cotidiano, cordelistas da vida comum e fantástica, que a voz de Gonzaga se alimenta. A gestualidade vocal de Luiz Gonzaga figuratizava o "sertão é em todo lugar; o sertão é dentro de mim" rosiano. Posto que a voz de Gonzaga, seu modo de cantar e dizer, é a grande vereda dos sertões geográficos e íntimos. O que é "A volta da asa branca" senão uma fresta de luz no corpo ressequido do sertanejo? Um bálsamo sonoro na intemperância dos dias de muito sol e quase nenhuma água. (...) Gilberto Gil (Gilberto Gil canta Luiz Gonzaga, 2012) capta esta alegria do povo e da natureza natural inventada por Luiz Gonzaga ao cantar "A volta da asa branca" com acompanhamento festivo. Ele investe no sujeito que se enche de novas vontades: "(...) E se a safra / Não atrapaiá meus pranos / Que que há, o seu vigário / Vou casar no fim do ano". Em entrevista à revista Bravo! (dez/2012), Gilberto Gil declarou: "Eu não existiria sem Gonzagão". Eu completaria que nem o sertão, nem o Nordeste, como os entendemos hoje, existiriam sem a voz de Gonzaga, sua agonia transvalorada em som. É ele o sabiá a sustentar memórias, crônicas e declarações de amor aqui na voz."

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