Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

9 de dezembro de 2012

As 30 mais geniais do Clube da Esquina, por Pablo Castro - 5a. parte

Chegamos à 5a. parte da lista das 30 selecionadas e analisadas por Pablo Castro, numa iniciativa que concretizou uma ideia antiga sobre a qual já havíamos conversado há um bom tempo. Foi em boa hora! A repercussão tem sido fantástica, tanto no facebook quanto aqui no blog. As visitas, os comentários e a participação de tantos amigos são fundamentais, e nos motivam muito a continuar e pensar em novos desdobramentos dessa história. Gostaria de agradecer a todos, e um agradecimento extra aos que estão acompanhando o blog, que brevemente irá passar por mudanças que espero irão torná-lo um espaço ainda mais interessante. Inclusive estão convidados a sugerir temas para as próximas porque com certeza outras listas como essa virão. Valeu!
Luiz H. Garcia

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Terminei minha Lista das 30 mais do Clube [completa, aqui] com a nítida sensação de que se eu fizesse outra, com outras 30, ela não ficaria atrás em termos de qualidade. Tal o vulto de qualidade e quantidade que a produção cancional do Clube deixará para as próximas gerações, enriquecendo o já absurdo panteão da Música Brasileira. Ao começar a lista, despretensiosamente numa dessas madrugadas, não imaginava que ela daria tanta repercussão positiva.

Me descabelei aqui para tentar não deixar de fora músicas como Fé Cega, Faca Amolada, Uma Canção, Luz e Mistério, Ponta de Areia, Léo, Paula e Bebeto, Fairy Tale Friend, Cravo e Canela, Nascente, E Daí, Bodas, Sentinela, Dona Olympia, Outubro, Três Pontas, Choveu, O Medo de amar é o Medo de ser Livre, Viagem das Mãos e tantas outras que mereceriam estar na lista das melhores de qualquer compositor. Tentei equilibrar , dentro de tão apertado limite, os compositores, tanto músicos quanto letristas, as fases, os discos importantes, as temáticas e os estilos, e ainda jogar nova luz a canções pouco lembradas, como Tema dos Deuses, Rio Doce, Tiro Cruzado , Caso Você Queira Saber, e outras.

Devo agradecer, de imediato, meu parceiro Luiz Henrique Assis Garcia , que se empolgou com a idéia e replicou minhas modestas resenhas em seu excelente blog Massa Crítica Música Popular. Além dele, a excepcional força que o grande intelectual Idelber Avelar Guarani Kaiowá me deu, chamando a atenção de vários de seus amigos no fb, gente da mais alta qualidade. Além de meus amigos músicos , como Makely Kaiowá , Humberto Junqueira, Alieksey Vianna, Avelar Junior, Kristoff Silva, Flávio Henrique, Péricles Garcia, o grande Daniel Dan Fernandes que também montou uma playlist com as músicas, e inúmeros amigos e entusiastas da obra do Clube, inclusive alguns participantes, como o Márcio Borges, o Murilo Antunes, Telo e Solange Borges, que comentaram aqui, aprovando minha iniciativa. Fico realmente muito feliz em poder contribuir para a apreciação dessa obra monumental na Música Brasileira. Beijos a todos !
Pablo Castro

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A vigésima- quinta da nossa lista é Feira Moderna, de Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant. Feira Moderna é um marco em vários sentidos. No contexto do Clube, foi a primeiro flerte mais sério com o roque, com seu riff de baixo e intermezzo cromático tocados com aquela afirmação extravasada do gênero britânico. Defendida primeiramente pela banda Som Imaginário em um festival [essa versão, aqui], com a voz estridente e nervosa do saudoso Zé Rodrix e as metáforas típicas do Clube, aqui saltando à vista o temerário sorriso, a velha chaga, o medo, e a Feira Moderna aqui não pode ser outra coisa que não a TV. Independência ou morte é uma alusão clara da aliança da televisão (particularmente a Globo) com o regime militar, a paz na terra amém poderia ter sido grafada como a pax ... interessante notar como na primeira versão "o meu coração é velho" e na segunda , gravada pelo compositor Beto Guedes seis anos mais tarde, passou a ter o verso mais positivo: "meu coração é novo" [essa versão, aqui]. Dentro dessa intereseção roqueira do Clube com o Rock, poderíamos ter incluído a ainda mais tipicamente roqueira Você Fica Melhor Assim ( Lô e Tavinho Moura), ou coisas como Fairy Tale Friend (Cadê) (Milton e Ronaldo), Idolatrada (Milton e Brant), Lumiar (Beto e Ronaldo), mas acho que Feira Moderna é mais exemplar desse movimento : uma estrofe (única ) de 7 (!?) compassos ( em versos de 3+3 +1 ), e um longo refrão de duas metades de 11 (!!??) compassos remetem às idiossincrasias dos Beatles, repletos desses tamanhos irregulares de partes da forma, e os ganchos instrumentais são inspirados indubitavelmente nesse ethos da banda de rock . Daí ter sido a música de trabalho do Som Imaginário, em sua primeira e mais célebre formação, faz todo o sentido. Harmonicamente, a música gira em torno de Lá maior, repousando em seu relativo Fá sustenido menor durante o longo estribilho, e voltando ao tom por intermédio da subdominante , na famosa cadência plagal, típica do roque. É um marco na relação da música brasileira com a inundação invasiva anglo-saxônica, sem os hilários arremedos histriônicos dos Mutantes nem com a piegas reverência envergonhada da Jovem Guarda.
 


Feira Moderna

Tua cor é o que eles olham , velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo

Feira Moderna, um convite sensual
oh telefonista , se a distância já morreu
meu coração é velho
meu coração é morto
e eu nem li o jornal

Nesta caverna o convite é sempre igual
oh telefonista, se a distância já morreu
independência ou morte
descansa em berço forte
a paz na terra, amém.


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Vento de Maio, de Telo e Márcio Borges, logrou ser a vigésima-sexta da Lista que tá cada vez mais difícil de fechar ... essa balada esquineira em 6/8 provou mais uma vez a rara estirpe da família Borges, em que o então menino Telo Borges fez uma trilha pra teatro e seu irmão mais velho Marcinho musicou um trecho que acabou sendo esse standard do Clube da Esquina. Uma primeira frase postula o início confiante em Sol maior : "Vento de raio, rainha de maio, estrela cadente ..." então chega de repente o "fim da viagem", e ficamos vagueando de forma ambígua nos campos das tonalidades, ainda perto de Sol, mas com acordes distantes como Ebm7, quando já não dava mais pra voltar atrás. E depois o épico B da música, em Sol menor, desnuda o subtexto de uma das raras músicas de amor romântico do Clube da Esquina, com simbolismos oníricos e referências veladas, e algumas imagens bastante inspiradas. A melodia repousa em sétimas maiores e nonas, os intervalos mais surrealistas, em frases de arpeggio, e poucos graus conjuntos, e Elis a interpretou magistralmente [para ouvir, aqui], de forma insuperável, mas o tipo de arranjo que mais encarna o espírito do clube é mesmo a versão de Lô Borges*. Um estupendo trabalho em família!
*Também canta Solange Borges [nota do editor]

 
 

Vento de Maio

Vento de Maio rainha de raio estrela cadente

Chegou de repente o fim da viagem
Agora já não dá mais pra voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique
Apenas para chover no meu piquenique

Assim meu sapato coberto de barro
Apenas pra não parar nem voltar atrás

Chegou de repente o fim da viagem
Agora já não dá mais...


Vento de raio rainha de Maio estrela cadente

Chegou de repente o fim da viagem
Agora já não dá mais pra voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique
Apenas para chover no meu piquenique

Assim meu sapato coberto de barro
Apenas pra não parar nem voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique
Apenas para chover...


Nisso eu escuto no rádio do carro a nossa canção
Sol girassol e meus olhos abertos pra outra emoção
E quase que eu me esqueci que o tempo não pára
Nem vai esperar
Vento de Maio rainha dos raios de sol


Vá no teu pique estrela cadente até nunca mais
Não te maltrates nem tentes voltar o que não tem mais vez
Nem lembro teu nome nem sei
Estrela qualquer lá no fundo do mar
Vento de Maio rainha dos raios de sol


Chegou de repente o fim da viagem
Agora já não dá mais pra voltar atrás
Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique
Assim meu sapato coberto de barro

Apenas pra não parar nem voltar atrás


Rainha de Maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique...

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A vigésima -sétima calhou de ser Canção do Novo Mundo (não confundir com Canção da América), de Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Agoniei-me aqui com qual balada de primeiro nível que eu incluiria dos dois: Amor de Índio, Lumiar, Sol de Primavera, O Sal da Terra foram as que mais me botaram em dúvida . Decidi por Canção do Novo Mundo porque é uma resposta ao terrível desaparecimento forçado de John Lennon, e é quase como se a Canção recuperasse o sentido num evento tão torpe. Numa época de abertura política, as letras do Clube tendiam a metáforas mais positivas, ao contrário dos simbolismos mais negros dos anos setenta, mas Canção do Novo Mundo bota o dedo na ferida , sem datar ou reduzir a letra ao acontecimento revoltante que a inspirou. Também pelo fato de a composição fazer uso de elementos rítmicos bastante notáveis, particularmente o uso de compassos diferentes intercalados para dar naturalidade à divisão melódica. Temos 2 compassos de 5/4 e um de 6/4 entrecortados pelo 4/4 preponderante na música. Esse recurso super heterodoxo foi usado também na magnífica Ponta de Areia, de Milton e Brant, com resultado idêntico: a melodia tem preponderância sobre a regularidade rítmica da canção, o que confere ainda mais distintividade à composição. A forma é clássica, com 4 estrofes (uma instrumental) estrofes e três Bs (um instrumental), que modula de Dó maior para seu relativo paralelo Mi bemol, um arranjo à la George Martin e um solo de Toninho à la George Harrison, e a tessitura alta de melodia consistente: o mesmo perfil no tom sobe uma quarta para o grande finale. Beto toca bateria na versão original do disco Contos da Lua Vaga (1981), que, infelizmente, não consegui achar em versão completa no youtube. Felizmente Milton Nascimento gravou essa música em um disco ao vivo, com orquestra, em 1983 [para ver e ouvir, aqui]. Beto e Ronaldo conseguiram aqui esse equilíbrio entre elementos distintivos e clássicos que faz dessa canção o protótipo perfeito de uma canção de Lennon & McCartney que nenhum deles deixaria de assinar se a tivessem feito.

Quem sonhou
Só vale se já sonhou demais
Vertente de muitas gerações
Gravado em nosso corações
Um nome se escreve fundo
As canções em nossa memória
Vão ficar
Profundas raízes vão crescer
A luz das pessoas
Me faz crer
E eu sinto que vamos juntos

Oh! Nem o tempo amigo
Nem a força bruta
Pode um sonho apagar

Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo

Quem souber dizer a exata explicação
Me diz como pode acontecer
Um simples canalha mata um rei
Em menos de um segundo
Oh! Minha estrela amiga
Porque você não fez a bala parar

Oh! Nem o tempo amigo
Nem a força bruta
Pode um sonho apagar

Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mundo



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A vigésima-oitava da minha lista do Clube da Esquina é Canção Postal, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, do famoso "Disco do Tênis" (Lô Borges, 1972). Música de distinta melancolia, me parece que poderia ser a parte 2 de Um Girassol da Cor do seu Cabelo, uma canção de despedida. No auge do terror no Brasil, essa partida forçada que é o sub-texto da canção é tocante no que diz respeito a uma juventude que tinha a vida pela frente e se sacrifica em nome de um sonho de um mundo, de um país, de uma cidade melhor. A sequência harmônica crucial do A da música é um exemplo didático de como transformar os acordes, passo a passo, alterando uma ou duas notas de cada vez, o que propicia um efeito de lenta travessia em direção a um destino sombrio... O Sol maior, tom da música, vai se transformando em Sol diminuto, Fá Sustenido com Sétima, Fá sustenido meio diminuto pra resolver no seu irmão mais triste, o relativo Mi menor. Essa seta apontando a melancolia é a chave pra músicas como: Um Girassol, Faça Seu Jogo, Trem de Doido, Homem da Rua, Não Se Apague Esta Noite, Como o Machado, Eu Sou Como Você É, a produção já de alto nível de elaboração do Lô com 20 anos de idade. Mas Canção Postal me parece ser mais exemplar porque condensa elementos de todas as citadas acima, a indireta referência a um destino trágico de um jovem que ainda "sabe dançar". O cruzamento de identidades se sobrepõe ao que seria um mero amor romântico saudoso, "eu quero ver você, ter você, ser você, amar você". O ingênuo da melodia de curtíssima tessitura (de fá sustenido a dó , no campo de sol) e o profundo da composição se expressam no arranjo: os violões de Lô, Novelli e Nelson Ângelo e o bandolim de Beto Guedes se tornam baixo, condução harmônica e arpeggio agudo de incisiva dor. O "até manhã, até manhã, até manhã" soa no contexto um consolo ilusório, uma esperança perdida de que o outro dia nos trará de volta o que já, irremediavelmente, perdemos.
 


Canção Postal


Quando alguém passar e perguntar por mim
Não esqueça de dizer , até manhã, até manhã, até manhã

Não esqueça de sorrir como eu tentei sorrir
Quando alguém lembrar o que fui, o que sou, o que sei

Diz pros amigos que eu ainda sei dançar,
deixa o mundo virar para sempre

No fundo do pomar, estrelas do lençol
Eu quero ver você, ser você, amar você

Quando você ouvir essa canção que eu fiz
Não esqueça de sonhar até manhã, até manhã, até manhã.


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A penúltima da minha lista das 30 mais do Clube da Esquina é Tudo que Você Podia Ser, de Lô e Márcio Borges, que abria o disco Clube da Esquina, em 72. O violão rasqueado de Lô, com a sexta afinada no tom ré, intercala acordes menores com sétimas e nonas e décimas-primeiras, dentro do campo de ré menor mas com essas dissonâncias abrindo os espectros dos modos para várias direções. Ao mesmo tempo, a levada é enérgica, apontando para uma espécie de samba-roque, com uma condução rítmica sincopada mas com os tempos fortes enfáticos; tirante esse detalhe, nada mais distante entre Lô Borges e Jorge Ben. As camadas de instrumentação vão se sobrepondo passo a passo, o violão de Lô, a voz de Milton, a guitarra de Toninho, o órgão de Wagner, a guitarra 12 de Tavito, a percussão de Nelson Ângelo e Robertinho, e, por fim, o baixo de Beto Guedes e a bateria de Rubinho. A forma é interessante: intro/ primeira estrofe- em duas partes / intro / segunda estrofe- em duas partes / ponte / segunda parte da estrofe/ estribilho instrumental / terceira estrofe / ponte / segunda parte da estrofe / estribilho instrumental - fim. A letra emana aquele ponto da vida em que parece que se está no meio; enquanto ainda se pode esperar muita aventura no futuro, o destino da pessoa já não é mais uma página em branco, várias chances foram perdidas , e daqui pra frente é pra valer. Essa urgência dá o mote da música, e quando a melodia resolve (tudo que você podia ser..) repousa sempre (exceto na primeira estrofe) num acorde surpreendente. Quer dizer, por mais que planejemos, o futuro sempre escapa das nossas mãos ... impossível melhor abertura para um disco ambicioso como o Clube da Esquina, do que uma canção que bota em dúvida a direção em que estamos indo. Interessante ela ser também, toda, na segunda pessoa, e não se tratar, mas uma vez, de uma canção de amor. Tudo que você CONSEGUE ser ... OU NADA !!!

 

Tudo que você podia ser

Com sol e chuva você sonhava
Que ia ser melhor depois
Você queria ser o grande herói das estradas
Tudo que você queria ser


Sei um segredo você tem medo
Só pensa agora em voltar
Não fala mais na bota e do anel de Zapata
Tudo que você devia ser
sem medo


E não se lembra mais de mim
Você não quis deixar que eu falasse de tudo
Tudo que você podia ser
na estrada


Ah! Sol e chuva na sua estrada
Mas não importa não faz mal
Você ainda pensa e é melhor do que nada
Tudo que você consegue ser
ou nada


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Impossível não terminar a saga da minha lista das mais geniais do Clube da Esquina sem a canção que deu origem à série: Clube da Esquina, de Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges. Uma loa lunar ao homens da esquina, que dividem até a solidão. A noite propicia o silêncio, as portas vão se fechar na fecundação que o novo dia enxergará. Esse prenúncio do novo e essa criação noturna deslocada dos arroubos diários, esse tempo que passa invisível, e que se revela no futuro, consistem na melhor definição do Clube, no anúncio de um fruto coletivo que é gerado no escuro, sob a a pálida luz da lua. Intuitivamente, Márcio Borges definia todo aquele espectro que resultaria nessa obra musical , não só a canção, mas todo o 'movimento' Clube da Esquina, todas aquelas canções. Um grande país de canções! Milton foi subindo as notas melódicas do seu violão enquanto Lô foi descendo os acordes, girando em torno de Lá maior mas sem nunca chegar em casa, notom de Lá. O breve B em Ré mixolídio nos dá um outro ponto de vista, remetendo-nos novamente ao ponto de partida, no Curral D'El Rey, depois das portas fechadas, que se abram as janelas para o indizível e vago mundo lunar, depois do que ficamos pendurados no fio do Mi suspenso, fugindo, fugindo pra outro lugar.


Clube da Esquina

Noite chegou outra vez, de novo na esquina
Os homens estão,
Todos se acham imortais
Dividem a noite, e lua e até solidão
Neste clube, a gente sozinha se vê
pela última vez
À espera do dia, naquela calçada
Fugindo de outro lugar

Perto da noite estou
O rumo encontro nas pedras
Encontro de vez um grande país
Eu espero, espero do fundo da noite chegar
Mas agora eu quero tomar suas mãos
Vou buscá-la aonde for
Venha até a esquina
Você não conhece o futuro que tenho nas mãos

Agora as portas vão todas se fechar
No claro do dia, o novo encontrarei

E no Curral D'El Rey
Janelas se abram ao negro do mundo lunar
Mas eu não me acho perdido
No fundo da noite partiu minha voz
Já é hora do corpo vencer a manhã
Outro dia já vem e a vida se cansa na esquina
Fugindo, fugindo pra outro lugar

A versão do disco Milton (1970)


 

E, para fechar, essa bela interpretação do Bituca no documentário 
"A sede do peixe" em 1997.

15 comentários:

  1. A contribuição do Clube para a canção popular e para o Brasil é infinitamente rica em possibilidades de análise. Oxalá, outras listas tão importantes, com olhares e ouvidos tão atentos, apaixonados e lúcidos, venham. Essa lista iluminou lugares não-comuns do Clube. E isso é fundamental para que uma obra realmente grandiosa permaneça, ou seja, a disposição de ouvintes na busca de novos ouvidos sobre ela.
    "Feira moderna" é um dos exemplos das inclinações amalgamistas do Clube: a paquera-quase-namoro com o roque indicia isso: é crítica e é libertária.
    "Vento de maio" é telúrica, quintal, Clube na veia.
    "Canção do Novo Mundo" tem mesmo esta mirada positiva frente ao contexto de então.
    "Canção-postal" é emblema forte.
    "Tudo que Você Podia Ser" é memórias das perdas e danos.
    E o que dizer de "Clube da Esquina"? O título é síntese.
    Quero voltar com calma para passear pelas 30 canções da lista. Por hora, estas já demonstram o que rascunhei acima: há muito para se ouvir no/do Clube. E que bom ter ouvidos atentos para isso. Parabéns!

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    1. Valeu Leonardo Davino, obrigado pelo prestígio. Vou aguardar a sua volta com calma, esse passeio aí de ouvidos atentos, dessa sua audição passeadora que já deu a volta por um ano de canção e muitas outras mais, volte quando quiser!

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  2. Em "Vento de maio" a Elis canta alterando a letra pra "Meus olhos ardendo de tanto cigarro".Antigamente o sobrenome do Fernado era sempre grafado como Brandt,com o tempo virou Brant.

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    1. Ademar, obrigado pela presença. Sim , a Elis tinha esse costume, mas ela tem toda licença possível e imaginável, concorda? Sobre o sobrenome do Bran(d)t creio que oscilava. Mas nos discos dei uma geral aqui e só encontrei sem o (d).

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    2. como eu queria trocar ideia contigo ajsdioiansiniashdusdnf (entenda) sou um mancebo entusiasta...

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  3. amém amém !!!!!!!!!!!!!!!!! algum blog com as coisas que amooooooooooooo aleluia vou ler tudoooo com o tempo

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  4. cara adorei tuas criticas e observações eu faço musica e me inspiro muito na expressão do clube da esquina mas como sou mto novo, nem maior de idade sou, então n vejo essas questões tecnicas mtas vzs, pra mim o sentimento é um bom caminho pra musica mas essas analises são fundamentais e o sentimento claro:essencial...

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  5. ah só mais uma coisa, impossivel ouvir vento de maio sem sentir o coração independente pela inconsciencia afora neh! sensacional a musica brasileira é de pirar sei lá!!!

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  6. É curioso quando adoramos uma música e viajamos na letra. Não tem explicação. Cito como exemplo a letra Jardim das acácias do nosso querido Zé Ramalho. Adoro mas não entendo. Interessante seria se os letristas explicasses a origem dessas letras confusas , porém musicalmente espetaculares.

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    1. Aqui mesmo no blog - na seção Produção Artística - comento alguma coisa sobre as minhas letras. Mas, provavelmente todo letrista vai repetir, se explicar demais perda a graça. Volte sempre!

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  7. muito bom seu blog! vou acompanhar o seu e de seu amigo citado no texto valeu Parabéns

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  8. Muito bom este blog! Os textos, as músicas, comentários... tudo aqui toca no íntimo, aprofundando e abrindo nossa percecpção musical... sensível e original...me fez sentir vontade e alegria de viver mais em minas gerais!

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