Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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30 de novembro de 2014

Recuso + aceito, tropicalíssima ambiguidade

Enquanto preparo minhas considerações para uma banca sobre o tropicalismo de Caetano e o cinema de Glauber amanhã na Escola de Música da UFMG, me deparo com esse texto de Gil no Pasquim que não conhecia. Agora me chama atenção pelo embate que assume com o MIS ao recusar o prêmio Golfinho de Ouro. Se tiver tempo farei um post maior no Massa Crítica. Por agora, fica a curiosidade. Olha um trecho : "O que meu pai precisa saber é que o museu sempre esteve contra o meu gorjeio, que sempre achou desnaturado, desarmonioso, inautêntico e incômodo; sempre esteve contra tudo que na música, no disco e na TV, tenha tido um sentido de abertura compatível com a liberdade criativa de um povo novo e fogoso como o brasileiro. Pelo que sei as aristocráticas e puritanas prateleiras do museu não guardaram até hoje um só programa do Chacrinha, o mais lindo que alguém jamais pôde encontrar em qualquer televisão do mundo". Texto completo, aqui


 

2 de julho de 2014

Em terra de Macalé

Por meio de um instigante relato do amigo cantautor ativíssimo na cena belorizontina Luiz Gabriel Lopes fiquei sabendo da exposição Macalândia na sede do Itaú Cultural, em São Paulo. Na impossibilidade de conferi-la in loco e na iminência de seu encerramento, recolhi aqui algum material para dar uma amostra e quem sabe motivar alguns leitores que são/estão na terra da garoa a conferi-la.
Do site:
"Por meio da série Ocupação, o Itaú Cultural mergulha na vida, na obra e no processo criativo de artistas contemporâneos ligados a diversas áreas de expressão, homenageando e destacando a importância de suas trajetórias. E é no universo – lírico, lúdico, épico, político – do músico Jards Macalé que o programa faz o seu 18º mergulho. Além de ocupar a sede do instituto com uma exposição sobre o instrumentista, compositor e intérprete carioca, o projeto se estende para a internet (...)" [confira, aqui]

 
Do catálogo: Versão digital [confira, aqui]

Um breve relato: no site Follow the Collors, aqui


6 de dezembro de 2013

Na estante (ou não)

Enquanto principio aqui, ainda que em marcha lenta até que as férias cheguem, a leitura de  Brutalidade jardim – A Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira (Unesp, 2009), escrito por Christopher Dunn, professor da Tulane University, em Nova Orleans, acabei reencontrando na internet esse material em profusão derivado do trabalho de Ana de Oliveira, pesquisadora responsável pelo site Tropicália e pelo livro-objeto Tropicalia ou Panis et Circencis, o qual confesso, não fiz mais que passar os olhos. O site, visualmente exuberante e com textos didáticos, introdutórios, parece cumprir bem a função de apresentar bem o cenário e as principais figuras associadas ao movimento, além de alguns de seus desdobramentos, nesse caso talvez recaindo numa leitura que está por demais canonizada e que exagera a proporção dos efeitos e dos rastros tropicalistas, certamente influenciada pela consagração a posteriori que recebeu, inclusive após o regurgito realizado em terras gringas na esteira da louvação de Byrne a Tom Zé e da babação de Cobain pelos Mutantes. Enfim, como há muito material acredito que se posso inclusive ir bem além das leituras que o site oferece, o que é bem interessante. Já que estou reunindo algum material sobre o tropicalismo por aqui, ocorreu-me acrescentar edições do ótimo programa de tv fechada O som do vinil, comandado por Charles Gavin, sobre os discos Tropicália e Mutantes e seus cometas no país dos Baurets. Desbundem-se.











- See more at: http://tropicalia.com.br/livro/#close

20 de agosto de 2013

Tropicar ou não tropicar, eis a questão... ou não (Na estante especial)


Pena que não se produzam aqui mais publicações como essa organizada por Carlos Basualdo, em edição primorosa da Cosac Naify, de grande apuro visual e combinando ensaios recentes, textos de época, documentos, obras e reproduções gráficas, num conjunto que agrada e ao mesmo tempo é de grande utilidade para o pesquisador interessado pelo tema. Sua única falha, de certo modo sintomática, é a ausência de músicos em qualquer dos textos analíticos ou balanços de época, que não sejam os próprios partícipes - e talvez mesmo aí um foco demasiado centrado em Caetano e Gil, vício compartilhado por quase tudo que se produz sobre o lado musical do tropicalismo. Daí que me pareceu uma ótima ideia uma postagem especial da seção "Na estante", fugindo um pouco da forma enquadrada da resenha e apresentando o livro junto com essa arguta e sintética análise do meu parceiro Pablo Castro para um trecho de um dos artigos do mesmo. Devorem sem moderação: 


“Talvez os softwares livres do ministro Gilberto Gil criem um ciberespaço onde o espírito tropicalista se reproduza em inteligências artificiais e virtuais, na periferia de um novo império americano que o rock amado com tanto custo por determinados jovens baianos dos anos 60 nem sequer podia imaginar”. Hermano Viana. Políticas da Tropicália. in: BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972). São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 142.

Com essa frase lapidar é possível antever em que se transformou o conceito tropicalista, ou pelo menos o seu uso na atual guerra ideológica em torno de cultura, política e ativismo: ao invés de proporcionar uma janela antropofágica para o mundo, em que o enlatado gringo era fagocitado e reelaborado por um espírito brasileiro não subalterno, dedicado a traçar, a partir de um mosaico de referências variadas e mesmo díspares, uma salada de possibilidades estéticas emancipatórias, o que enxergamos hoje é um ataque a toda e qualquer altivez autônoma do espírito brasileiro em nome de uma panacéia do "roque amado ", envelhecido , indiferenciado e completamente desvinculado de qualquer raiz cultural -musical brasileira, uma espécie de "software livre" musical que é o único denominador comum de gerações e gerações que não conheceram a riquíssima música brasileira pré e mesmo pós-tropicalista, por força das contínuas investidas imperialistas contra a música nacional : primeiro, sucatearam a indústria fonográfica brasileira de modo a incorporá-la às majors ; em seguida, extinguiram a estreita brecha por onde a música brasileira não totalmente dominada pelo processo industrial era alçada a multidões através da Tv e do rádio , instituindo a maior "cadeia nacional " de Tv de que se tem notícia no mundo ocidental, e fortalecendo o jabá no sistema radiofônico, sufocando as expressões simbólicas locais e instituindo um filtro apertado , controlado por pouquíssimas mãos, sobre o que era alçado a nível nacional, desfazendo os laços entre a música brasileira e seu povo, descaracterizando a formação musical do ouvinte ; e, por fim, nos últimos anos , aparentemente através da participação política do próprio Gilberto Gil enquanto ministro da Cultura, se propulsionaram investidas nebulosas contra o artista e o autor brasileiro, o que o crescimento da rede FDE, agigantada nos anos Gil, deixa evidente, alimentada com dinheiro público de editais e estatais, com tentáculos na grande mídia , em vários partidos e nos primeiros escalões das secretarias de cultura e do Minc.

Também se destaque o papel de uma certa intelectualidade acadêmica com relações no mínimo suspeitas com "gestores culturais " , atuando nos dois lados da equação : como legitimadores de certos "processos" e beneficiários de determinados investimentos culturais , alguns públicos e outros de origem obscura.

Assim, a premissa antropofágica tropicalista se converteu em salvo-conduto contra toda e qualquer crítica cultural que problematize a progressiva homogeneização e rebaixamento das expressões musicais no Brasil ; um relativismo absolutista que , por meio do nivelamento por baixo de tábula rasa, iguala tudo a qualquer coisa, e , ao contrário de revelar a potência política da música, em seu conteúdo imanente, faz dela um mero pretexto para objetivos político-econômicos extremamente perversos do ponto vista do auto-reconhecimento de um povo e sua soberania artística, intelectual e cultural. Pablo Castro

7 de setembro de 2012

Mais uma lista...

A rádio Eldorado FM, o Estadao.com e o jornal ‘O Estado de S. Paulo’ acabaram de realizar uma enquete aberta ao público, perguntando qual o melhor álbum brasileiro da história. Com mais de 25 mil votos de  computados, Ventura, da banda Los Hermanos, foi o vencedor, com 2.816 votos [veja o “Top 10” e uma breve entrevista com Marcelo Camelo aqui]. Os organizadores fizeram uma lista prévia com 30 álbuns [aqui] e depois os internautas escolheram o seu preferido dentro da mesma. Mesmo essa listagem prévia traz vários problemas e poderia ter escrito sobre eles. Mas agora não compensa. Essas listas feitas com enquetes são cheias de falhas, mas uma boa parte diminuiria com uma simples alteração no enunciado: os "x" discos brasileiros preferidos pelos leitores desse jornal, ou pelos internautas, em todos os tempos. Acho que essas enquetes não promovem uma apreciação do melhor, e sim medem preferência, de uma forma totalmente impossível de se qualificar. Enquanto eu voto pensando numa série de critérios, outro está votando pensando noutros (não preciso entrar no mérito desses critérios, apenas indico que não tem como garantir que todos estejam votando da mesma forma). Dessa forma o resultado é tolo, pois transforma numa simples soma coisas de ordem diferente. Ou seja, no fundo, não quer dizer muita coisa. Mas o pesquisador pode ser instigado justamente por isso, para ver o que consegue extrair.
Conseguiram colocar 11 discos entre os 10+. Se fizessem como é lógico, com um empate "subtraindo" a posição seguinte, Tropicália ficaria em 10° e o Roberto Carlos fora. Isso é muito suspeito, considerando as relações interessadas entre as rádios e as gravadoras. Não há, na lista toda um único disco independente, mesmo que haja artistas que possam ser considerados "alternativos". Qualquer lista dessa é, também, um produto de mercado.
O texto de avaliação do 1° colocado incorre em inconsistências significativas. Diz ao final que "(...) O disco foi bem recebido pela crítica, mas teve pouca repercussão popular. Com Ventura, a banda conquistou amplo prestígio, virou fenômeno pop e viu sua legião de fãs multiplicar em larga escala.". Não dá pra entender, certo? O autor faz no fundo uma avaliação anacrônica, atribuindo à repercussão do disco fatos bem posteriores de seu lançamento. O que ele deveria ter constatado, basicamente, é que Ventura está em primeiro na enquente porque a geração que tende a votar nele tem um convívio muito cotidiano e familiarizado a com internet. Não é, nem de longe, o melhor, e se considerarmos o peso cultural não pode ser equiparado ao Chega de Saudade, por exemplo, que nem entre os 10 ficou. O fator geracional pesa demais nessa listagem, inclusive na prévia. Enquanto ele é o único dos anos 2000, temos um disco dos Titãs e outro do Legião Urbana na década de 1980, e todos os outros são da década de 1970. Será que antes não foi gravado nada melhor? Não é por acaso. A sonoridade dos 1970 aparece hoje como referência forte em muitas bandas e compositores jovens, refletindo também nas preferências de seus ouvintes. Curioso pois a apreciação feita na própria época é muito marcada por expressões como esgotamento, crise criativa, impasse, etc. Vi muito esse tipo de relato na pesquisa de mestrado. Naquele momento, era grande a percepção que contrastava a produção com a que marcara a década anterior, já no rastro da Bossa Nova, com a emergência da MPB e depois o Tropicalismo. Fiz toda uma discussão mostrando como a crítica dos 1970 queria avaliar a produção da época com a medida do passado, esperando um novo "movimento". Poderia continuar "espremendo", mas em resumo, independente de achar muito interessante o Clube da Esquina em segundo, considero essa enquete aí extremamente enviesada e seu maior valor é provocar reflexões que possam ir além de suas fraquezas.