Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

26 de dezembro de 2011

Grandes encontros na música popular


Ainda enebriado pelo CD/DVD Marsalis & Clapton, fiquei pensando em escrever sobre os grande encontros na música popular. Como poderia pensar em diversas situações e tipologias para esses encontros (parcerias, participações especiais, duetos, projetos coletivos, e por aí vai)pensei a princípio em trabalhos em que dois artistas consagrados se reunem numa empreitada que resulta num disco ou show em comum. Claro que minha tipologia fica desde já pronta para ser subvertida pelas sugestões e comentários de amigos leitores, leitores amigos. Para começar, já que estamos em tempos natalinos, chamando as inevitáveis recordações de infância, um disco que sempre tocava em casa era o Chico e Caetano juntos e ao vivo. Gravado em 1972, em plenos anos de chumbo grosso. Lembro que achava engraçado as palmas no meio das músicas, subindo de volume de repente. Mal sabia eu, então criança que vivia num país que era ditadura mas tinha eleição, partido de oposição e bomba no Riocentro, que rolava censura e que na mixagem do disco as palmas foram aumentadas pra tampar palavras censuradas, o que vim a saber na pesquisa do mestrado. Me impressiona, mais do que tudo, como o Caetano - sempre um intérprete "absorvente" - toma posse das canções do Chico, mais do que o inverso. Acho a "Partido alto" dele definitiva, por exemplo. E a grande sacada, a junção de "Você não entende nada" e "Cotidiano", intercalando o "todo dia" que anuncia a segunda ao "quero que você venha comigo". Dois ases da nossa canção.

Um comentário:

  1. Alberto Campos Júnior comentou sobre o disco: "naquele registro os dois quebram com a tentativa de rivalidade que pudesse haver entre os dois dentro do mercado fonográfico. Caetano, camaleônico. Chico, comedido". Isso com certeza será tema de uma postagem futura, Alberto.

    ResponderExcluir