Continuando a série, hoje vou escrever sobre A Feira. Há vários caminhos pelos quais as letras podem se encontrar com as canções. Esse aconteceu de forma bem peculiar. De certa forma, foi como se as duas fossem velhas conhecidas, andando pelo centro de Belo Horizonte, que acabaram se trombando casualmente. Então, vão gastar horas matando a saudade, botando a conversa em dia. Assim também comecei A Feira como um texto livre, vagamente sugestivo para uma canção. Às vezes me coloco, como compositor, uma espécie de desafio, no sentido de conseguir explorar determinados temas e procedimentos que identifico como "tradições" dentro da canção popular. Nesse caso, penso na série de canções que compõe quadros urbanos, cenas do cotidiano da cidade muito bem descritas, quase como se colocassem o ouvinte dentro de uma pintura ou fotografia em movimento transportando-o por lugares e situações que se relevam ao mesmo tempo inusitadas e familiares. Assim eu queria, com meu próprio traço, fazer algo na linha de uma Penny Lane ou de um Domingo no parque. Veio a feira como ambiente em que poderia, com facilidade, imaginar enredos, personagens, close ups e panorâmicas. O primeiro esboço que escrevi, guardado numa velha agenda que ainda hoje utilizo para rascunhar alguma coisa, deixa escapar que o citadino eu lírico iria começar passando por um açougue que a borracha da criação (sim, apagar também pode ser visto como um gesto criativo) logo encarregou-se de desfazer em entulho de tinta borrada, e ao final iria pra outro lugar na sequência da narrativa, rumo a uma padaria à qual nunca chegou pois a feira acabou sendo bem mais interessante. Acontece que poucos dias após ter rascunhado as barracas e personagens dessa feira, o Pablo me mostrou um contagiante tema que estava compondo ao violão (gilbertogianissimamente influenciado), basicamente a primeira parte e um esboço de refrão, me pediu a letra. Não tive dúvida e respondi que já estava pronta. Como assim? ele retorquiu, com surpresa. Aí eu expliquei que tinha feito um texto que estava, por obra e mistério que eu mesmo não conseguiria esclarecer, destinado a ser a letra daquela música.
Depois de tudo isso ainda teria mais um tanto de história pra contar. Inclusive sobre o vídeo que nosso grande amigo comum Virgílio de Barros produziu na feira da Afonso Pena (é mister que eu diga que A feira é uma junção ficcional de "n" feiras e não foi inspirada especificamente por essa que é a mais famosa de nossa cidade, mas acabou virando um hino informal da mesma) com incansável disposição e que ficou por um tempo como algo para apreciação em nosso círculo, mas que por conta dessa iniciativa pedi que ele liberasse os direitos para o deleite dos leitores do blog.
A feira (P. Castro / L. Garcia)
Domingo de manhã, foi,
eu fui à feira procurar um agrado
para o meu amor
é, sabe cumé
E procurando eu acho
um par de brincos bem do azul que ela adora
lá no peruano
tem, eu faço fé
Tem gente que encomendou
muamba do Paraguai
migrante do interior
olha Seu Agenor
"são 3 por 1, a tia quer levar caqui?"
A sacoleira sabe que não cai
dinheiro do céu
A tarde inteira, gente se distrai,
ou passa o chapéu (vou te contar...)
Quando eu tava lá, ih,
veio menino mendigando bocado
tava sem trocado
diz que Deus dará
E também Tião, sô
já pôs na banca a cotação da laranja
"vá ver se arranja,
pede, pra anotá"
Tem moça que se aprontou
barraco que já desceu
peão come a bóia fria
ouve Dona Maria:
"é promoção" mas deixa pra comprar depois...
A sacoleira sabe que não cai
dinheiro do céu
A tarde inteira, gente se distrai,
ou passa o chapéu (vou te contar...)
E se você for, lá
vai ver Joana vender pé-de-moleque
para a gurizada
bala e picolé
Mais um bate bola,
Aparecida com sorriso levado,
descompromissado
Beto, ficou chué
Tem nêgo ficando puto
morenas do viaduto
o Zé tá guardando a vaga:
"hoje é hora paga"
"vai te catá" "não vou deixar barato, não"
A sacoleira, sabe que do céu
dinheiro não cai
Ô Oliveira, vê mais um pastel
e um trago pro pai
A sacoleira, sabe que não cai
dinheiro na mão
A tarde inteira, gente chega e vai
ciranda e arrastão
A sacoleira sabe que do céu
dinheiro não cai... cai cai cai cai cai balão
Domingo de manhã, foi,
eu fui à feira procurar um agrado
para o meu amor
é, sabe cumé
E procurando eu acho
um par de brincos bem do azul que ela adora
lá no peruano
tem, eu faço fé
Tem gente que encomendou
muamba do Paraguai
migrante do interior
olha Seu Agenor
"são 3 por 1, a tia quer levar caqui?"
A sacoleira sabe que não cai
dinheiro do céu
A tarde inteira, gente se distrai,
ou passa o chapéu (vou te contar...)
Quando eu tava lá, ih,
veio menino mendigando bocado
tava sem trocado
diz que Deus dará
E também Tião, sô
já pôs na banca a cotação da laranja
"vá ver se arranja,
pede, pra anotá"
Tem moça que se aprontou
barraco que já desceu
peão come a bóia fria
ouve Dona Maria:
"é promoção" mas deixa pra comprar depois...
A sacoleira sabe que não cai
dinheiro do céu
A tarde inteira, gente se distrai,
ou passa o chapéu (vou te contar...)
E se você for, lá
vai ver Joana vender pé-de-moleque
para a gurizada
bala e picolé
Mais um bate bola,
Aparecida com sorriso levado,
descompromissado
Beto, ficou chué
Tem nêgo ficando puto
morenas do viaduto
o Zé tá guardando a vaga:
"hoje é hora paga"
"vai te catá" "não vou deixar barato, não"
A sacoleira, sabe que do céu
dinheiro não cai
Ô Oliveira, vê mais um pastel
e um trago pro pai
A sacoleira, sabe que não cai
dinheiro na mão
A tarde inteira, gente chega e vai
ciranda e arrastão
A sacoleira sabe que do céu
dinheiro não cai... cai cai cai cai cai balão
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