Vou começar com Ponto Oriental, letra que depois foi musicada por meu parceiro Pablo Castro, talvez porque tenha alguns detalhes nela que valem alguma notas. Uma curiosidade, que é o fato de ter sido escrita direto no computador, num arquivo .txt, com certeza uma das primeiras que fiz assim. Um processo que tem uma certa praticidade e uma materialidade própria, até na forma de ver as palavras tomarem forma, muito diferente de escrever à mão. Não ficou também, nenhum rascunho, o que hoje me incomoda um pouco, ainda que não tenham ocorrido grandes mudanças desde a 1a. versão completa. Se faço a letra agora às vezes deixo no word os rascunhos das primeiras versões. Tudo começou, na verdade, com uma célula inicial, que foi o hai-cai "De um amor (...) hi-fi" - de fato um meta hai-cai rsrsrs - que acabou virando refrão e continha a sugestão de fazer referências à cultura oriental - ao Japão especialmente, a partir de signos muito evidentes, estereotipados até. Assim, não havia propriamente um projeto narrativo, mas um conjunto de palavras e sonoridades que o tema estabelecido praticamente me forçava a adotar, de forma que a letra foi saindo muito rapidamente, até pela relativa liberdade de composição que era dada pela decisão de escrever um texto alusivo, icônico, sem a necessidade de encadear uma história com começo meio e fim como tantas vezes sou de fazer. Não sendo particularmente entusiasta ou conhecedor desse universo, vagamente vali-me do fato de ter praticado judô quando criança e das referências óbvias que ocorreriam a um observador externo, como ninja, robô, origami, bonsai, gueixa, ou eventualmente nem tanto, como shuriken, Kurosawa ou Fuji (o monte e o filme fotográfico). Achei aí o gancho "não sou nissei mas sei" e da ninja me veio a ideia de propor um ponto de vista esquematicamente "oriental" da relação amorosa - o que permitiu dar várias conotações ao "ponto" do título, indo da paisagem geográfica para a física e a astronomia mas também para o tecnológico e o biológico. E é muito curioso que tudo tenha começado com a referência à literatura e à indústria cultural. A letra sofre de algum academicismo, digamos, mas a música a redime, por assim dizer, na medida em que lhe dá organicidade no som de tal forma que esses eventuais rebuscamentos não afetam a fluência e a fruição audio-panorâmica da canção. Espero não estar enganado...
Ponto Oriental (Luiz Henrique Garcia/Pablo Castro)
Antes que o pôr-do-sol atinja o ponto culminante oriental
antes que eu infrinja a lei da física do Tao
não sou nissei mas sei
quero que a shuriken dessa ninja me atinja no ponto fatal
Ponto que a claridade almeja o Fuji fulminante num metrô
pronto ela seja o meu sensei
da física ao judô
não sou nissei mas sei
quero no chão o ippon que me despeja deseja precisão robô
De um amor que é como um bonsai
tem a pequena grandeza de um poema hai-cai
e a fidelidade do sistema hi-fi
Antes que o sol nascente tinja o ponto mais distante original
antes que o cosmo impinja a lei da física fractal
não sou nissei mas sei
quero origami inda que ela finja que cinja o ponto vital
Ponto com que Kurosawa sonha o Fuji seu gigante inspirador
pronto ela seja o meu sensei
da física da dor
não sou nissei mas sei
quero a peçonha fria da gueixa que beija com ira e torpor
De um amor que é como um bonsai
tem a pequena grandeza de um poema hai-cai
e a fidelidade do sistema hi-fi
Voz e violão:
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Muito interessante entender a letra pelo ponto de vista do criador.
ResponderExcluirAchei notavel a convivência da erudição e da informalidade no processo de criação.
O todo em si me soa sofisticado e completo.
Letra e canção se unem de maneira perfeita e singular.
Uma obra impressionante, atemporal.
Obrigado pela leitura e apreço!
ExcluirConcordo!!!
ResponderExcluirValeu!
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