Comentário sobre a matéria publicada no jornal The Guardian a respeito dos resultados da pesquisa liderada por Matthias Mauch, da Escola de Engenharia eletrônica e Ciência da computação da Queen Mary University de Londres.
Como assim, "os Beatles não revolucionaram a música"?
Há várias objeções a fazer, ainda que se
trate apenas de uma notícia de jornal. Vou resumir o que penso: estatísticas mal
interpretadas na mão de falsos polemistas. De nada adianta levantar, ou minerar,
como gostam de dizer, o que não se sabe conceituar ou interpretar. Juntar
fragmentos sem saber o sentido que eles tem em constelação. Love em She
loves you e Love em The word são duas coisas diferentes. O acorde final em Mi maior de
A day in the life não é igual a outro acorde em Mi maior. Trata-se de uma objeção metodológica direta ao modismo conhecido como Big Data, que preconiza alcançar novos resultados a partir da análise massiva de dados. O que vem acontecendo, via de regra, é que a capacidade de reunir "toneladas" de dados não vem necessariamente acompanhada da solidez teórica ou da argúcia interpretativa. Sei lá o que estão afinal medindo, mas
certamente lhes falta a dimensão do que deve ser analisado.
Como historiador teria também uma coisa ou duas a dizer sobre o conceito de revolução. Entre outras que a interpretação de um processo revolucionário não acaba quando o próprio se encerra (ou é tido por encerrado). Assim é indissociável de nossa compreensão sobre o quão revolucionária é a música dos Beatles o que extrapola as gravações que estes fizeram no momento em que fizeram. Ou seja, entender uma revolução é entender também como a posteridade a representa, rememora, etc. Há portanto um erro metodológico aí em "mediendo
la revolución". Basta ver um documentário como The making of Sgt.
Pepper's... para perceber como toda uma geração de músicos reconheceu, referenciou-se, inspirou-se no que identificou como revolucionário nos Beatles. Outra coisa, eu acho tb problemático resumir o processo de criação da música popular ao fonograma oficial, ainda que este seja importantíssimo. No caso específico dos Beatles é possível, através de horas e horas de sobras de estúdio e takes alternativos entender seu processo criativo para além do resultado final em disco. Abordo o caso de Strawberry Fields Forever neste artigo, acompanhando sua construção desde os primeiros esboços em voz e violão de Lennon, o que é possível fazer através de dezenas de bootlegs. Se o que fizeram ali não foi revolucionário na música popular, não sei o que poderia ser.
Fiquei curioso para ler o artigo e entender melhor a metodologia, por mais sem noção que a conclusão seja. Até para dar um crédito aos autores e não a um jornalista que condensa e rearranja o material como quer para dar audiência ao post ou porque não entendeu direito mesmo. Interpretar música popular através de progressão de acordes não vai levar a lugar nenhum. Seja em uma música dos Beatles, do Sex Pistols ou Pink Floyd. Basta ouvir um pagode de viola do Tião Carreiro com dois acordes e viajar naquilo. Ao fim, a estatística vai concluir que são......dois acordes.
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