Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

13 de maio de 2015

Upa, critatividade!

Este texto, gentilmente cedido pelo Sérgio Santos, que além de nos brindar com uma obra musical profícua, deslumbrante, de quebra lança reflexões de uma pertinência e elaboração que dispensam comentários, basta ler. Aqui ele discorre - partindo de magnífica performance de Elis Regina na tv francesa em 1968, acompanhada de feras como Roberto Menescal e Erlon Chaves - sobre o problema da criatividade e da excelência no cenário musical, considerando suas transformações nas últimas décadas. Para curtir e pensar:
"Vendo esse video, me dei de cara com a passagem do tempo. Peço que o assistam antes de ler o post.



E aí, viram? Isso aconteceu em 1968, há 47 anos. Quase meio século! E Elis, linda, estava na flor dos seus 23 anos. Edu Lobo, autor da música tinha 25. Pensando na música, esse conteúdo aí beira a perfeição, gravado ao vivo em algo que parece uma mera passagem de som, na França. Arranjo mortal, executado milimetricamente, com um suingue arrasador. E vai-se esperar o que de uma intérprete como Elis, no auge da gana musical da juventude, com um bando de feras ao lado, e ainda cantando Edu? Pois bem, para mim está aí o exemplo mais cabal do quanto andamos para trás. Será que a imensa maioria dos jovens de 20 e poucos anos que pretendem a cena musical hoje, sabem que no seu país, há quase meio século, jovens da mesma idade ganhavam o mundo fazendo música nesse nível? A maioria hoje ao menos sabe da existência dessa música? Antes de me chamarem de saudosista, pensem que não fomos capazes enquanto produtores, mercado e público, de garantir a simples existência desse patamar de excelência musical com o passar dos anos. Isso não é saudosismo, é fato: nossa indústria e nossa mídia literalmente jogaram fora a preciosidade que esse nível de exigência musical significa. Particularmente para a mídia que nos privou da diversidade, esse grau de excelência já morreu e com ele a continuidade da criatividade na música. E não estou falando de estilo, de MPB ou outras baboseiras: pode-se ser criativo em qualquer estilo. O que quiseram tornar fora de moda não foi um estilo, mas a própria criatividade!! É óbvio que ainda há hoje jovens, teimosos estranhos no ninho, fazendo música nesse nível, e eu fico feliz igual pinto no lixo ao ver que, apesar de tudo, a música de verdade não pára, ela vai sempre seguir em frente, usando agora de novos caminhos. Só que daqui há mais 50 anos, se nos mantivermos nessa incapacidade burra, quem saberá disso? Será que ninguém percebe que a música é uma das formas de identidade de nação, e que a educação musical, muito mais que uns caraminguás nas mãos de alguns, é uma das chaves para a construção de riquezas? Sim, originalidade, criatividade, linguagem própria são geradores de riqueza!!! Matar a galinha dos ovos de ouro, é a imagem que me vem. Mais que com a burrice, a indignação é com o desperdício!" Por Sérgio Santos

2 comentários:

  1. A Elis quando gravou esta música era tida como a cantora mai POPULAR do Brasil.

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  2. A Elis quando gravou esta música era tida como a cantora mai POPULAR do Brasil.

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