Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

17 de dezembro de 2012

Abre as asas sobre o som

Só porque calhou de assistir um pedaço de um desses vídeos dos Wings, banda montada, liderada e possuída por Paul McCartney em seu período pós-Beatles, resolvi botar aqui um especial de TV (1973) e registros das turnês Wings Over the World / Rockshow (1975-1976). 






16 de dezembro de 2012

Eles ainda surpreendem e as pedras continuam rolando

Os precisos comentários de Renato Ruas em seu blog (link Reflexões: E eles ainda surpreendem) "Nesse sábado tive a sorte de passar pelo Multishow e ver que eles estavam transmitindo ao vivo um dos shows da comemoração dos 50 anos dos Rolling Stones (...)" me motivaram a reproduzir o comentário que escrevi outro dia quando soube que os Stones iam abrir os shows [aqui] com I wanna be your man [aqui uma análise da Notes on series por Alan Pollack]. "Para saber a diferença que separa os Beatles dos Stones há muitos meios, mas agora vi um melhor do que todos. E é bom ver que os próprios Stones tem noção disso, abrindo seu show de 50 anos reverenciando os Beatles com a canção que Lennon e McCartney lhes deram de cortesia." Acabei esticando um pouco a postagem porque esse é um tópico que, se de alguma forma bastante desgastado, ao mesmo tempo é a base de um "pequeno mito de origem" da história do rock, pois reza a lenda que a dupla Jagger e Richards nasceu após ambos terem visto a dupla John e Paul concluir a canção em instantes. Encontrei alguns depoimentos dos dois últimos [aqui] que lançam um pouco de luz nessa história, ainda que simultaneamente revelem como as memórias são parciais:
 
It was a throwaway. The only two versions of the song were Ringo and the Rolling Stones. That shows how much importance we put on it: We weren't going to give them anything great, right? (...) I Wanna Be Your Man was a kind of lick Paul had: 'I want to be your lover, baby. I want to be your man.' I think we finished it off for the Stones... yeah, we were taken down to meet the Stones at the club where they were playing in Richmond by Brian and some other guy. They wanted a song and we went to see them to see what kind of stuff they did. Mick and Keith had heard that we had an unfinished song - Paul just had this bit and we needed another verse or something. We sort of played it roughly to them and they said, 'Yeah, OK, that's our style.' So Paul and I just went off in the corner of the room and finished the song off while they were all still there talking. We came back and that's how Mick and Keith got inspired to write, because, 'Jesus, look at that. They just went in the corner and wrote it and came back!' Right in front of their eyes we did it. [grifos meus]
John Lennon
All We Are Saying, David Sheff
, 1980

So they shouted from the taxi and we yelled, 'Hey, hey, give us a lift, give us a lift,' and we bummed a lift off them. So there were the four of us sitting in a taxi and I think Mick said, 'Hey, we're recording. Got any songs?' And we said, 'Aaaah, yes, sure, we got one. How about Ringo's song? You could do it as a single.' (...) We often used to say to people, the words don't really matter, people don't listen to words, it's the sound they listen to. So I Wanna Be Your Man was to try and give Ringo something like Boys; an uptempo song he could sing from the drums. So again it had to be very simple.[grifos meus]
Paul McCartney
Many Years From Now, Barry Miles, 1997

Assim, em que pesem as dúvidas, lacunas, e as eventuais parcialidades ou mesmo invenções que as entrevistas comportam, fato é que a dupla de compositores de Liverpool não considerava muito relevante a canção, de modo que a cederam aos Stones. Para eles I wanna be your man adquiriu outro significado, um peso que agora eles demonstram ao relembrá-la como o ponto a partir do qual as pedras começaram a rolar (foi inclusive sua primeira gravação a figurar nos Top20 britânicos). Segue também um vídeo com uma performance dos Rolling Stones para a mesma canção no início de carreira. O curioso desse vídeo é a reprodução em linhas gerais daquele chavão que era opor a imagem dos Beatles bons moços e Stones ameaças aos bons costumes. Divertidíssimo...

Lendo Canção: A volta da Asa branca

Lendo Canção: A volta da Asa branca
Leonardo Davino em mais uma postagem de prima. Gilberto Gil canta Luiz Gonzaga, cantos fundantes do Brasil e de sua canção popular [acesse o link para a versão completa]

Um trecho pra ir dando vontade de ler tudo...
"É do luxo exuberante e óbvio do vivente-cantador da "festafeira no pino do sol a pino", cantador das tragédias do cotidiano, cordelistas da vida comum e fantástica, que a voz de Gonzaga se alimenta. A gestualidade vocal de Luiz Gonzaga figuratizava o "sertão é em todo lugar; o sertão é dentro de mim" rosiano. Posto que a voz de Gonzaga, seu modo de cantar e dizer, é a grande vereda dos sertões geográficos e íntimos. O que é "A volta da asa branca" senão uma fresta de luz no corpo ressequido do sertanejo? Um bálsamo sonoro na intemperância dos dias de muito sol e quase nenhuma água. (...) Gilberto Gil (Gilberto Gil canta Luiz Gonzaga, 2012) capta esta alegria do povo e da natureza natural inventada por Luiz Gonzaga ao cantar "A volta da asa branca" com acompanhamento festivo. Ele investe no sujeito que se enche de novas vontades: "(...) E se a safra / Não atrapaiá meus pranos / Que que há, o seu vigário / Vou casar no fim do ano". Em entrevista à revista Bravo! (dez/2012), Gilberto Gil declarou: "Eu não existiria sem Gonzagão". Eu completaria que nem o sertão, nem o Nordeste, como os entendemos hoje, existiriam sem a voz de Gonzaga, sua agonia transvalorada em som. É ele o sabiá a sustentar memórias, crônicas e declarações de amor aqui na voz."

13 de dezembro de 2012

A Música que vem de Minas: Titane – Campo das Vertentes/DVD (2012)

A grande admiração por Titane, cujo trabalho fui conhecer por indicação de meu caro amigo Renato Ruas, so fez aumentar ao longo dos anos. Sua presença e sua força, no disco, no palco, no cenário cultural, onde estiver, são do tamanho desse mundo permeado dos traços de tradições atualizadas que seu canto abarca. Música para todos os ouvidos.

A Música que vem de Minas: Titane – Campo das Vertentes/DVD (2012): "Titane e o Campo das Vertentes" é uma ação de uma das mais completas artistas do Brasil abrindo mão de vaidades e tiques de estilo para f...

Blog de fotografias do espetáculo musical Titane e o Campo das Vertentes, que esteve em cartaz em São João del Rei, no dia 25.10.07, e em Divinópolis, nos dias 3 e 4.11.07.
 http://titaneeocampodasvertentes.blogspot.com.br/

Lembrar das ruas da cidade


Há 15 anos atrás publiquei na edição de estréia do saudoso Jornal do Cahis (Centro Acadêmico dos estudantes de História da UFMG) um pequeno artigo intitulado Memórias no chão: acerca de "Ruas da cidade". Para marcar o aniversário de Belo Horizonte, lembrei dessa grande canção de Lô e Marcio Borges que me inspirou, ainda na graduação, a pesquisar a cidade e o Clube da Esquina. Entre seus méritos e falhas, vejo um "retrato do historiador quando jovem" e me divirto com o que a passagem do tempo fez mudar ou tornou de certa forma irônico, como a citação de Abílio Barreto, defendendo um panteão nas ruas para perpetuar os cidadãos dignos da lembrança do povo. Jamais passaria pela minha cabeça que iria trabalhar no museu criado pelo sujeito e posteriormente renomeado em sua memória. Nomes de quem morreu... Encontro também a marca de Benjamin, tomado no que seu pensamento tem de mais radical, ali no momento do impacto da leitura das Teses sobre a História. Inevitável pensar na aplicação dessa perspectiva aos conflitos atuais envolvendo o território dos Guarani Kaiowá.

“As ruas com nomes de índios são como cemitérios aonde se enterram os anônimos derrotados: Todos no chão são pisados diariamente, e inadvertidamente, pela gente que passa. À separação imposta pelo saber delimitador, Lô e Márcio contrapõem um princípio unificador - o princípio dos derrotados - que devem ser relembrados pela devastação que a civilização lhes trouxe, que não pode ser redimida na assimilação fácil do nome(...)” (Jornal do Cahis, ano 1, n° zero, p.6) 

Também por coisas que ficaram (ou eventualmente ficarão) por dizer, deu vontade de fazer uma espécie de profissão de fé. No trabalho sério, na dedicação, na crítica bem construída, no compromisso do pesquisador com seu ofício, nas outras formas de ser e estar na cidade, nos significados criados através da música, nos amigos. 





Ruas da cidade

Guiacurus Caetés Goitacazes 

Tupinambás Aimorés 
Todos no chão

Guajajaras Tamoios Tapuias 
Todos Timbiras Tupis 
Todos no chão
A parede das ruas

 Não devolveu 
Os abismos que se rolou 
Horizonte perdido no meio da selva 
Cresceu o arraial, o arraial

Passa bonde passa boiada 
Passa trator, avião 
Ruas e reis

Guajajaras Tamoios Tapuias 

Tupinambás Aimorés 
Todos no chão
A cidade plantou no coração 

Tantos nomes de quem morreu 
Horizonte perdido no meio da selva 
Cresceu o arraial, ao arraial