Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

26 de janeiro de 2012

Ebony and Ivory, Certas Canções e encontros da música popular

A parceria entre Paul McCartney e Stevie Wonder, reavidada agora no novo álbum do primeiro (ver matéria), rendeu o marcante hino anti-racista Ebony and Ivory, há 30 anos. Bela faixa que fecha o lado B de Tug of War, um dos melhores discos da carreiro solo de McCartney, tem como uma de suas particularidades o fato de que tudo na gravação foi executado pelos dois (Paul canta, toca baixo, guitarra, percussão, piano e sintetizadores; Stevie canta, toca piano elétrico, sintetizadores, bateria e percussão). Coisa de músicos com M maíusculo. Foi dessa mesma forma que Paul gravou The ballad of John and Yoko com Lennon em 1969. Lembro  de ver o "videoclip" de Ebony and Ivory quando foi lançada em 1982, acredito que seja um dos primeiros de que eu me recorde com nitidez.
 
Numa entrevista dessas que a gente lê quando está pesquisando e lê absolutamente tudo que possa ter alguma coisa que ver com o que a gente pesquisa, li um comentário do Milton Nascimento sobre essa canção. Ele conta que quando a ouviu pensou na hora "como não pensei nisso?! Ébano e marfim, as teclas do piano juntas, e nós não...". E dessa sensação nasceu Certas canções, parceria dele com Tunai (gravada no mesmo ano no álbum Ânima) que começa assim...



"Certas canções que ouço Cabem tão dentro de mim
Que perguntar carece
Como não fui eu que fiz?"

Assim é feita a música popular, de encontros que atravessam o tempo e o espaço.

2 comentários:

  1. "Coisa de músicos com M maíusculo". Estirpe rara. Legal demais o vídeo. Vale lembrar também as parcerias do Paul e Michael Jackson. Abraço.

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